sexta-feira, 30 de março de 2012

Eduardo e João: Fim

O copo vazio

Ray Charles canta I can't stop loving you. Eu tennho uma orquesta cantando no lugar que deveriam trilhar cordas vocais. É o teu nome que elas cantam. Gritam. Cada palavras que pronuncio soam como notas agudas e graves falando o teu nome. Você está em minhas palavras. Você é o meu verbo.
Eis outra coisa que me assombra, será que realmente suportaria ver-te por alguns instantes sem as maquilagem que escondem as imperfeições? Só te tenho agora frio em meus braços e quente em meu peito.
Procuramos na vida estabilidades, ou eternidades, mas preferimos descer ao inferno à subir no altar selando assim votos de amores eternos, cumplicidade e companhia. Amamos com intensidade na velocidade da luz, assim tal como deixamos de conjugar o mesmo verbo. Amar! Na matemática da vida minha incógnita se revela com uma simples resolução de Pitágoras, e na gramática os predicativos me fogem tornando-me não analfabeto, mas impossibilitado de falar, talvez por já não ouvir, não saiba exprimir mais som. Morte, sepultamento, lápide, epitáfio, ou coisas do tipo, confesso não ter sido o que sonhei pra nós dois.
- Você não tem que se culpar pelo o que quis fazer. Você não me deve a tua vida. Sempre te quis livre, passarinho.
- O que mais me dói não é o fato de ter te traído, mas a incapacidade que tenho de ferir quem eu amo.- A minha dor se concentrava no orgulho de ver em seus olhos o mesmo brilho por mim. Ele já não era mais estranho. Era comum como todos os demais. Eu já era comum. Juro que preferia vê-lo gritar suas raivas por mim e assim como um cão que outrora preso se liberta das correntes, avancei minha mão em cinco dedos em sua bela face marrom cor de jambo e colori com o vermelho de minhas cinco acusações.
- Quando você quiser porrar um homem, o dê pelo menos a honra de ser com um soco de punho bem amarrado, como lança. E não com uma mão aberta e efeminada.- Estas foram as últimas palavras de Eduardo, que se apossou de seu típico copo de Whisky por dias, dias e 3/4 de dia onde olhou-me cm ternura e pronunciou as palavras que sempre esperei ouvir orquestrar aos meus ouvidos.- Eu te amei desde sempre.- Eu o abracei pela última sublime vez e o seu corpo se esfriou em meus braços que o suportou com firmeza de amor e arrependimentos. Neste momento eu sinta o seu grave bumbo desacelerar o compasso e cada vez mais o rio que enrijecia o meu prazer se tranquilizar em seu leito. Eu o beijei com todo amor que eu poderia inspirar em meus pulmões, nunca quis tanto ser a mesma fumaça que o percorria, queria inflá-lo e esvaziá-lo do vazio de mim. Eu queria penetrar o seu céu, mas eu sua boca experimentei do mesmo fel da desilusão. Fomos pra sempre. E pra sempre nos fomos.
Todo o amor que tínhamos um pelo outro se iniciou numa outra conotação naquela sexta-feira do dia 30 de março. O nosso amor morreu em sua morte e respirou a nossa eternidade. O nosso lar se refez das ruínas, nas lembrabças dos castelos construídos de pedra sobre nossos morros. A nossa história com o tempo deixou de ser contada entre os grupinhos pelas ruas, como simplesmente dois homens que viveram um pra si, normal, natural, humano. Tombamos o esquecimento de todos. Naquela espécie de buraco negro onde todas as memórias se escondem com o tempo, e com tempo pra perder ou ganhar. Sem a pressa do horário do almoço! Neste lugar aceleramos todos os relógios para o horário nobre da primavera. A mais bela história de amor que eu vivi em toda minha morte. Ou posso arriscar dizer que foi a única vez que amei. Talvez não por que tenha sido o maior amor o que o torna especial, mas foi o último.
O que ainda tenho em minhas lembranças vejo refletido neste copo d’água em temperatura ambiente com gosto de fel nos perfumes de elixir paregórico das soluções das diarréias da infância. Fico a pensar no quanto somos volúveis e mesquinho com as marcas que o tempo vai escrevendo em nossa pele e que não tatuam o coração. As lembranças povoam em minha mente como varejeiras em torno de corpos necrosados, fétidos, numa decomposição que me funde ao solo e não me permiti locomover minhas pernas no espaço. Sinto que minha orquestra encerra o seu espetáculo, mas Ray continua a cantar melodias jazz em suas teclas alvi-negras em notas que adocicam o meu paladar. Sinto-me fundir neste cemitério de sentimentalidades de minha cabeça em chamas de amor e paixão. Os meus olhos vão se perdendo em branco e preto e meus braços ensaia o seu último abraço, mas o a...


FIM.

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