sexta-feira, 15 de agosto de 2025

PARAÍBA

meu corpo arde
a boca seca
o vento invade
espalha tristeza

um canto um canto
pra mãe das águas 
me encontro em pontos
desaguar

eu vou correr na ponte 
eu vou pular da ponte
vou me lavar na ponte
na ponte branca

eu vou correr pra fonte 
vou me lavar na fonte
vou benzer na ponte
na ponte branca

para ti para mim
Paraíba vem cá 
para me levar

todo dia há um dia pronto pra se viver
dias de alegria, de euforia, de prazer 
todo dia é um ponto, um encontro, um cantar 
um encontro sem canto não me sei derramar
todas as águas que choro
lá no meu Paraíba vou a alma lavar

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

WE'RE BONES

we talked
we laughed
felt infinite 
we together used to be life.

now… just bone
bone in the air
bone in the way your name feels in my mouth
bone in every memory I can’t burn

silence hits different
it strips the skin, leaves only bone

is love the most beautiful thing?
or just the heaviest loss?

maybe we only see it
for what it was
when all that’s left
is bone.

ERA UMA VEZ

era uma vez
dias que o peito aperta
e tudo que a gente quer é um abraço apertado

era uma vez
dias que a mente pesa
e tudo que a gente quer é que pese mesmo
que não fuja, que não se esconda
que pese bonito, com gritos
feito pensamento que não tem pressa de passar
feito silêncio que sabe o que diz

tem dias que dá uma vontade de sair por aí
sem rumo, sem prumo
pra onde o vento levar

mas tem dias que o vento não leva
porque a gente pesa

porque a gente tem raiz
porque aprendeu a ficar mesmo quando tudo convida a ir
mesmo quando ali não pertencemos mais

nesses dias eu agradeço pela vida
um ato de louco
mesmo que ela não seja leve
e o rio que corre em meu rosto breve
que ela leve muito tempo para me levar

deu aquela vontade de chorar hoje?
então chore
com gosto
se lave nessas águas que são tuas
super-homem é só mais um era uma vez

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O SOL

Hoje o sol amanheceu bem tímido
Parecia criança travessa que uma peça havia pregado
O olhei bem cabreiro, mas translúcido
Como quem quer ter o peito revelado
 
Ele tão cretino ousou velar minha dor
Mas de tantas voltas que dei em torno dele o disse
Se apruma, menino e me faça um calor
Não me venha com mormaços. Oh sandice
 
Ele riu, tolo, parecia já uma criança
E disse que o filtro eu não colocara
Eu retruquei que é que sempre tenho a esperança
De ter em cada dia o renovada de minha caminhada
 
Ele continuou a gargalhar, o sol é um moleque travesso
Mas tem uma coisa que me ensina
Toda manha, mesmo ao avesso
Agradeça pela vida, antes que ela termina
 

SINTOMAS

O tempo poderia parar

Quem sabe a terra não mais girar

momentos em que tenho você

Esqueço do que é pertencer

 

Você que tem esse dom de voar

Me olha inteiro e me faz gostar

Das coisas que tento esconder

Traz paz e as pazes faço porque

 

Tens esses olhos cor de mel

Palavras que me lembram o céu

Segredos como um corpo nu

Me leste e te levo ao sul

 

Gostoso é contigo estar

E se me tira pra dançar

Desenha cores novas em mim

Em ti só não gosto do fim

 

Me deixa leve

Cê nunca é breve

Em mim inscreve

Coisas de amor

 

Me faz bonito

Desfaz o mito

E eu não minto

Te quero aqui

sábado, 2 de agosto de 2025

FOICE

meu silêncio grita tua presença
minhas poesias minha crença
que você não vem
só o vento vem

se eu descobrisse o perdão 
se fosse menos coração
pensaria menos em ti 
te deixaria vir

não deixei
mas fostes 
íris em submergir
em palavras foice

terça-feira, 29 de julho de 2025

TODA PARTIDA PARTE

 Cansei-me de falar do mundo e dos egoísmos carentes da humanidade. Cansei de esperar o sorrir da lua ou o nascer do sol, que nunca assumiu por ela sua paixão.

assim como é cíclico o vento, a chuva e as flores sobre o campo verde, é por descanso que meu corpo clama, minha alma sob o calor trêmulo de tua mão, desnuda o silêncio que revelei e pela paz que reside no quarto velado por edredom e cobertas nas janelas. 

quando eu for, me mandem flores, beijem minha testa e aos mais próximos amigos, sussurrem um segredo, só nosso, ao pé do ouvido uma fofoca cabeluda que acabara de saber. Eu irei rir de nós e afastar os espectros até Caronte. Mas não chorem, nem gritem. Isso é no mínimo demodê. Além deu ter já feito a vida toda. 

Ao fecharem o caixão saiam todos do ressinto e permitam que apenas os funcionários da funerária me cubra a beleza ímpar. Pra vocês ficará o meu olhar ardente, o meu acolhimento quente e a sutileza presente que habitarei em vocês.

Quando eu morrer, não lamentam minha partida.. perdoe-me cada vez que os parti o peito na procura de uma brecha desbravar para ali morar. Pois em parte, minha vida foi sobre procura por habitar. Se despeçam de mim num aceno em slow motion e muitos beijos em estamos construindo nos lábios os fagos de artifícios de um réveillon, sem espantam as aves que também virem em cortejo cantarolar Vanessa da Mata, pois quando eu for se instaurará um tempo novo, uma ciranda ingênua com os meus dois pais no céu! Deus lamentando os homens e meu pai se orgulhando que pra eternidade sobrevivi.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

PARCIAL

me sinto vazia
como se minhas palavras
tivessem abandonado o corpo
não sei mais onde termina a dor e começa o silêncio
eu escrevia para salvar aquele amor
mas ele virou um espelho quebrado
fui me cortar em versos que não voltaram
agora permaneço inteira, mas mutilada
pensei que amar fosse colar
mas amar é deixar partir
e então deixei partir com as páginas de papel
com minha voz presa na garganta
se não consigo escrever, só posso gritar com os olhos
e se silêncio me tornou invisível, hoje descubro: visibilidade = ato de sobreviver
recorto meus galhos
me deixo crescer novamente
mesmo sem som
mesmo em pedaços
me salto de dentro dessa cadeira
sem promessas, mas inteira de novo

 

domingo, 27 de julho de 2025

PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL

os teus lábios me beijam
os teus lábios ressoam meu nome
os teus lábios tem sede de outros rios

tuas mãos me tocam
tuas mãos me dedilham Bach
tuas mãos em mim não faz canção 

nos sobra fidelidade
ou traição inocente
nos falta lealdade
somos nós 
nunca a gente

sexta-feira, 25 de julho de 2025

TAPEÇARIA DE SAUDADES

quatro travesseiros ocupam teu lugar na cama
e ainda sobra espaço na alma
aquele riso que acalma
tua presença boba

tuas palavras: erosão do peito 
nos meus olhos mora um Paraíba inteiro
sem a beleza ímpar 
que distrai a natureza 

conversas tolas, vida boa
você navega no rio de minha lágrima 
atravessa a rua, me ignora 
você é a ausência presente na varanda 
e a samambaia amarela já está 

tantos silêncios folheado de saudades 
tantos Djavans calados em frias noites 
encontros em confrontos de culpabilidade 
hoje te vi e no coração o sorriso foi açoite 
na perna uma orquestra afinou os sopros
eu perdi o ar, o tom, o tempo
no olhar o disfarce se desfez
uma solidão em calçada cheia
um perdão para cada negar

não sei, mas talvez amor não seja pra amar
uma tapeçaria de saudades
fiada por fios de inverdades

quinta-feira, 24 de julho de 2025

LEITO

No silêncio onde as palavras cessam,
teu riso ecoa — molda a sombra
da minha casa vazia

Queria tua presença, sem o peso
da ausência, sem o lampejo fugaz
das permanências que mentem  

Queria te contar ao mundo, encontrar
desvelar os segredos da pele e da peleja,
e em meu mundo, correr de mãos dadas contigo —
como rio que se entrega ao mar,
fluindo sem condena

Cruzar o Paraíba
em ponte invisível,
só por um sorriso teu.
Tuas palavras calaram silêncios —
constelações ocultas,
teus olhos: fósforos acesos
nas paredes do peito

Tu eras mentira permitida por Deus,
doce fantasia sustentada em fé,
minha paz na tempestade

No leito do choro —
rio lento de esperanças murchas —
ergue-se, em sombras longas,
a casa velha da esperança

Mas teus braços imaginados —
campo aberto, prado eterno —
alimentam em mim
a esperança que acalma

Por ora, teu silêncio é ponte,
é trem que parte
e volta só nos meus devaneios.
E sigo...
cruzando o Paraíba de saudade,
correndo no vento
que sussurra teu nome
fonemas que se musicaliza em vão 

toca no meu peito 
e dance a honestidade mútua comigo

sexta-feira, 18 de julho de 2025

QUARTA, QUINTA, SEXTA E SÁBADO

cheguei como quem não chega,
mas se encontra
e sendo contra ou favor da maré 
se lança no mar
feito e refeito lança que não volta
sem um peito sangrar 

o dia cheio
de ausências
mas ali, o vazio me cabia
a presença daquelas vozes me acalmava 

nenhuma fala finalizada
nenhum planejamento cumprido
sem culpas nem desculpas
o gesto era verbo,
o toque, texto
e a cena visceral 

as mãos cansadas
de somente serem mãos 
foram lidas sem pressa ou pressão 

um abraço caiu em mim.
e eu, sem querer
caí junto 
para nos levantar

na tevê, a ficção era grito
mas o real era manso

há dias em que existir é só isso:
não temer deixar de ser
ou deixar seu ser partir um pouco
com a noite ao encontro da paz 

QUASE

ela era 
quase de casa
a inquilina mais fiel
que das meninas dos olhos
roubava o oceano

era dela
somente dela
todo ardor que a dor
que sufoca peito acaricia
em ritual não profano 

era dela
e só mente ela
os rabiscos escavados 
na fúria do pestanejar cerrados 

ela era
a companhia da ausência 
as lembranças que a agenda esqueceu
a renda francesa que desfiou
no esbarro da aparência apolínea 

ela era 
e quem me dera
ela não 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

SAFELY

a intensidade residia em teus olhos 
oblíquos
assim como costuma ser a noite
foi entrega
mesmo nas palavras duras
que pediam rega
e ironizavam avidamente a regra
ele se apresentava num sorriso Da Vinci
um emocionado shakespeareano desdém
mas sua solitude era uma Tarsila 
plagiada por Dali
e de lá,
from a safe distance 
eu sorria
porque era tudo excitantemente interessante

as coisas simples são imensas
tensas quando não derramada
sobre quem de graça 
traz graça 
da graça que o silêncio ri de você 

terça-feira, 15 de julho de 2025

ACOLHER

tem gente que tem rosas no paladar
e sempre nos perfuma a alma
outros têm o sol no olhar
e no inverno acolhem a calma
há vozes que chegam como véu
cobrindo o cansaço que o mundo despe
mãos que se deitam na nossa dor
sem que a dor sequer perceba
tem presença que nem precisa entrar
pra mudar a mobília da ausência
e olhos que dizem: fica
mesmo quando o corpo não fala
um café dividido em silêncio
uma prece esquecida na mesa
e aquele gesto simples, quase nada
que veste a alma com leveza
tem abraços que nós trazem o mar
na pureza do som da Marina
ou no olhar da Carol
acolhendo as flores de sua menina


segunda-feira, 14 de julho de 2025

MISERICÓRDIA DE SENHOR

Na primeira defesa, ninguém me assistiu.
É Paulo quem diz. Mas poderia ser eu. Poderia ser você.
Mas ninguém veio.
E como dói quando a ausência vem justo de quem prometeu permanecer.
E é aqui que tudo muda.
A solidão não teve a última palavra, porque a fidelidade de Deus falou mais alto.
E a mim, essa passagem diz tanto.
Porque somos frágeis.
Somos carne tentando não morrer em si mesma.
Somos pequenos esperando amor em forma de cuidado, um olhar, empatia.
Paulo não romantiza o abandono.
Ele nomeia: "todos me deixaram".
Mas também testemunha o livramento:
"fiquei livre da boca do leão."
E não precisa ser literal.
A boca do leão pode ser o medo que mastiga por dentro, a dúvida que rosna nas madrugadas, ou a vaidade dos que se dizem "irmãos" e viram o rosto.
O leão pode ser o sistema. Pode ser o ego. Pode ser o grito engolido, atravessadamente sufocado na garganta.
Mas o livramento vem. Sempre vem.
E não é sobre escapar ileso.
É sobre sair de pé — mesmo com cicatrizes.
E nessa travessia, me recordo do Salmista que dizia:
"O Senhor cuida de nós."
Não como quem promete uma vida sem tropeços,
mas como quem se senta ao nosso lado no escuro
e diz baixinho: “Não temas. Eu estou aqui.”
E talvez você precise ouvir isso hoje.
No meio dessa semana possivelmente turva que se inicia, fdessa geração aflita, desse corre que sufoca.
Talvez você esteja sentindo o abandono de quem deveria te defender. Mas Deus — esse Deus que não se retrai diante da nossa fragilidade — ainda assiste. Ainda fortalece. Ainda livra.
Ele não está buscando supercrentes, mas corações disponíveis e quebrantados pra serem refeitos todos os dias.
E que milagre é esse: estarmos vivos. Ainda com perguntas. Ainda com saudade. Mas com fé suficiente pra recomeçar. Todo dia há uma porção nossa da misericórdia, zelo, compaixão, renovada para cada um de nós. Isso prova que a cada manhã se inicia uma jornada nova e Deus é contigo.Essa crônica não é sobre religiosidade. É sobre o milagre que é continuar. Sobre a graça que nos encontra quando ninguém mais aparece.
Sobre o Pai que não se atrasa, mesmo quando parece calado.
Que essa semana seja um suspiro de paz.
E que, como Paulo, a gente descubra — mesmo que sozinho — que nunca esteve só.
A vida para. Tampouco Deus te desampara?

quinta-feira, 10 de julho de 2025

PROMESSAS

porque fé não é só milagre visível —
é permanecer de pé
quando tudo em volta diz que não vai dar

é estar 
cansado, mas ainda crendo,
ferido, mas ainda firme…

caminhar por dentro
ver com os olhos fechados
florescer no escuro
porque ouviu Deus prometer
e isso… foi suficiente 

só isso —
uma promessa
dita no silêncio,
cravada na alma,
forte o bastante pra sustentar
os dias que doem mais que mostram

fé não é fuga da dor,
é aliança com o propósito
é dizer “amém”
mesmo com as mãos vazias
e os olhos molhados

Mas ainda assim —
com o coração rendido

quarta-feira, 9 de julho de 2025

UM GRÃO DE MOSTARDA

Estamos todos cansados
Uns, já tão frustrados de tanto recomeçar
Outros, se vendo a força se maquiar

Estamos todos com medo
Uns, reféns dos segredos que trazem solidão
Quantas vidas eu vejo sem a vida, em vão

Estamos todos cansados
No meio de uma oração sem crer. É desistir?
O fardo que levo é pesado, e resisto ao sorrir

Mas vim só pra dizer
Que toda noite é parte do dia
Que todo mal que te parte
Até faz ferida
Cura só vem onde a dor chegou
onde o peito se quebrantou
E onde a fé
A mais pequena 
Desperta a florir

FREI VITÓRIO X SACRAMENTO

o que me alimenta é a saudade
do corcel branco que te conduzia,
pra me salvar da monotonia.
como quem rasga o tecido da tarde

na rua frei vitório, o vento sussurra
teus risos presos no calçamento,
e cada pedra da calçada murmura
o segredo antigo do nosso momento

ah, se a frei vitório nos denunciasse
ou se a sacramento quebrasse o pacto
de nos manter nas entrelinhas,
feito oração contida num ato

mas seguimos, sombra e desejo,
por essas esquinas de fidelidade,
onde o amor é silêncio e lampejo,
e o tempo se curva à nossa saudade

INVENTOS

ela é sol no meu peito 
o próprio dragão que São Jorge guerreou
eu também tentei não me queimar
me falhei em me amar
brinquei com fogo

ela é do rio o seu leito 
o sabor da saudade que minha boca não beijou
você também tentou nada falar
e me encalhei em teus segredos deixar o calar
brinquei com fogo

me cala quando fala
me cala sem calor
atrapalha os ventos 
sempre inventos do pavor

ele é só atitudes sem noção ou graça 
declarações vazias, alimentos da azia da praça 
o próprio Brasil escaldado no verão nas varandas 
teu me prometes mata virgem, mas não andas

eu sou todo lembranças da vida que passa
poesia soletradas dos escuros que te interessa
mas te quero o bem tão quanto quero pra mim 
e amanhã nosso fim será a degustação do fim 

Desculpa, Shakespeare 
se ousou eternizar histórias de amor
Romeo e Julieta morreram de amor
eu quero é viver de amar

FÉ PRA RECOMEÇAR

tão fraco, vazio
descrente, impotente
me sinto sozinho
refém de minha mente

És Tu que preciso 
de Tua proteção 
da paz, Teu abrigo
me leva pra perto do Teu coração 

Jesus, eu rendo
não posso mais
só Tua graça traz-me a paz 
eu te oferto minha vida faz
o que queres, Senhor

Jesus, entrego em Tuas mãos
meu quebrantado coração 
o meu tudo no nada está 
nas notas deste clamor
na graça do Teu favor
na espera de Ti, Senhor

pois quando eu sou fraco, eu forte sou
quando nada tenho, chega o Senhor
quando era o fim
a fé recomeçou 

domingo, 6 de julho de 2025

O CÃO DA MINHA PAZ

eu
grito o meu silêncio 
pra não enlouquecer 

transo os pensamentos 
só pra entreter

finjo alinhado ser com o respirar
"respira, não pira"
é o manta
que canta a alma
aquela paz que acalma 
meus monstros são minha fauna
eu sigo alimentando o cão da minha paz 

me abraça 
com os minguinhos me enlaça 
sem teu sorrir não tem graça 
eu sigo alimentando o vão da minha paz 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

ME ENTREGO

seja o vento me acalma 
seja a paz em minha alma
seja luz pr'eu seguir
seja o além do fim

estou quebrado, cansado
ando descrente
no peito um amargo
mas de Ti dependente
me entrego

seja a vida da esperança 
a pureza das crianças 
seja toque, abraço 
sobre o mar os passos

sou pequeno, sou frágil 
dependo de Ti
sou pequeno, sou frágil 
Jesus, eis me aqui

quinta-feira, 3 de julho de 2025

QUE DOR

A dor é ser que não se qualifica, quantifica, educa.
Nunca pede licença, diz “obrigado”, “muito prazer” ou “por favor”.
A dor invade, rompe, transborda.
A dor se sente e se faz perceber e sentir.
Não a pode esconder, sufocar, blasfemar. A dor é santa, é casta, é vasta. Última pureza.
A dor é virgem que se deita com todos e não goza ninguém.
A dor é partido. Eu sou resto em vão.
A dor é CEP, endereço, sem retorno ou devolução.
A dor é ser que sangra em silêncio e pão.
A dor é o que minto agora.

BREU

 Tem dias que a alma desliga o som do mundo e a gente mergulha na imensidão dos sentimentos, onde só se escuta o eco gélido do que nos falta. Ou do que nos sobra no amargor do deserto.
A cama vira abrigo, prisão e cemitério de planos. Tantos planos! O celular toca e eu deixo morrer no toque. Sem me tocar de compor uma melodia de desculpas e com todas as culpas no pesar. Hoje não. Hoje não dá para inventar um vento fresco para não me espalhar aos olhares.
A ansiedade é um grito com cara de urgência — mas que corre em círculos dentro do peito, criando caminhos infindos e obscuros como uma furadeira, que martela violenta, sambando a tristeza sobre a superfície de uma parede da casa velha arquitetada entre muita mistura de cimento e barro. Ela me convence de que tudo vai dar errado e sem pestanejar tudo vira pó sobre o mão e meus pés descalços, calejados e rabiscados de tantos outros suspiros de proceder.
Lenta, vem depois, as percepções da urgência do respiro, como quem fecha as cortinas do palco e diz: acabou a peça, acabou você. Sem pausa. Sem segundo ato. Sem desfecho feliz. Breu.
Risco fósforos no escuro. Arrisco iluminar o rosto e encarar a dor. Caro é prosseguir o risco de continuar.
Dois fósforos. Três. Quatro. Um por vez. Alguns apagam, outros queimam o dedo. Mas às vezes... um ilumina o quarto todo. E o medo se revela inquilino sem inadimplência.
Tem noites que eu negocio com Deus, com o caos, com o travesseiro. Esqueço que sou péssimo no precificar. 
Vai passar, mesmo que devagar, vai passar.
A gente acha que coragem é levantar bandeira, mas às vezes é só conseguir levantar da cama. É tomar banho depois de três dias e sentir que a água não lava tudo, mas pelo menos desperta alguma coisa. Há alguma coisa ainda em mim.
É mandar mensagem pra alguém, mesmo sem saber o que dizer.
É não se punir por não ser forte o tempo todo. E sambar com aquele vento mórbido que inventei.
Tem dias que ainda escurece por dentro. Tem dias que chove por dentro. Tem dias que o sol é inverno em pleno verão. E poucos verão.
Meu riso esforçado é crônica leal de meu viver. Eu que tropeço no próprio medo. 
Dizem que existe um tipo de flor que nasce no meio do entulho. Será? Sinto em minha respiração o odor dos entulhos que guardo banhados em alfazema.
Quem me dera ser flor, e mesmo com galhos tortos, ou seca, refém dos giros das estações, resistir crescendo, embora hoje não sorrindo, quem sabe um amanhecer, florindo.
Dizem que viver é estar em paz com as estações e sob o pó da solidão de si um carnaval desfilar.


terça-feira, 1 de julho de 2025

GIZ

o peito não aprende a lição
que o silêncio 
rabiscou na lousa da carne

o riso 
esse risco falso no rosto 
desenha esperança com mão trêmula
como se a alegria
fosse só dever de casa mal feito

o giz,
esfarelado de tanto tentar ser palavra
vira poeira nos poros
coceira na alma

sede 
olhar
um só
que varre a superfície
e encontra o fundo
um abismo pequeno
do tamanho exato
do que ainda nos falta

e gargalhadas transbordam

sábado, 28 de junho de 2025

QUANDO SOBRA LUZ

 inteiro, parto-me em silêncio

onde a noite lambe o osso da alma

se alimentando de minhas gargalhadas 

regradas no vinho barato de fim de mês 

você fala por olhares mornos,

me mata num gesto de indiferente carícia

sem ao menos me ver

dói: um afundar de mim

onde só ecoam vozes já mortas,

palavras não ditas —

cada sílaba um corte invisível

cada querer um saber

finjo o pulso acelerado,

o pulsar que deseja acontecer

— mas sou intrínseco vácuo,

somente vulto que teme

ultrapassar o próprio corpo

saio, passo por ruas líquidas de neon,

tremendo — exausto de existir onde me rejeita

e nessa fria volta pra casa,

sou um coral ecumênico de medos,

uma promessa que não sustenta

aumenta nos câmbios de gosto de menta 

você, intacto segue inteiro

Mesmo assim, eu sei:

há um pedaço seu em cada amargor meu —

quebra-luz que me rasga e me cura

caio, renasço no mesmo instante,

 me sobras tu 

em ti falta um lapso de mim arquejante

e o que resta das nascentes que nos trombam

quando o silêncio é mais real

que qualquer beijo?

Principalmente, o que nunca beijei

sorrindo pra minha jovem estupidez


sexta-feira, 27 de junho de 2025

SIMPLESMENTE

quem acolhe
colhe sempre
no tempo certo
o melhor riso

pois quem é norte
se faz suporte 
pro nascer do sol 
quando preciso

PASSO

em cada passo
persisto

busco a luz que ainda insiste
na esperança
renasço menino
vejo no riso o elo divino

no velho, a tentação de ficar
mas escolho partir
reencontrar minhas partes
o tempo em que voar era verdade

no rosto
ver a pureza renascer
e reencontrar a velha infância
que abandonei no anseio de crescer

e deixar de ser pertencimento 


RUPTURA

quem me dera ao menos uma vez
entre a legião urbana sentir o ar
penetrar humanamente meu revés

deitar acolhido no bisturi suave do teu abraço
escuto a queda lenta de um prego enferrujado
tentar chorar de tristeza ou alegria
desmantelar os erros que faço

a solidão interrompida por tuas lembranças
eu perfuro as paredes do quarto
na procura de tua voz
no travesseiro não mora mais o teu peso
onde o quase choro é poesia

sou tantos quases que me faço nunca

espelho em frangalhos
máscaras distorcem no calor do fondue
e tuas lembranças me colonizam
numa opressão que ainda se reinventa

somos disfarces
faces desalinhadas com o sentir
o teu mantra hipnótico de me possuir
sem ao menos querer saciar
esse maldito vício da saudade
uma essência perdida, um adeus sem partir
pois é canção que nunca se compôs

quem me dera ao menos outra vez
diluir o adeus que em looping me incompleta



quinta-feira, 26 de junho de 2025

NEGO DA USINA

Sou do morro
E morro de orgulho 
De minha trajetória 

Sou do morro
Não corro da luta
Eu faço história 

Sou do morro
Não torro meu tempo
Provando verdades

Sou do morro 
Eu dobro a vida
Dosando-a em bondade

Subo o morro
Converso com Deus
Não perco a esperança 

Subo o morro
Conheço o céu 
Basta olhar uma criança 

Subo o morro
Divido o feijão
Presencio milagres

Subo o morro 
Digo “oi, meu irmão”
Da família sou parte

Desço o morro 
Nem sempre o bom dia
Contem alegria

Desço o morro 
Procuro no olhar um conforto
Sorria!

Desço o morro
Descubro que a graça 
Está no plural

Desço o morro 
Convido a praça 
Pra conhecer meu quintal

Sou nego da Usina
Não nego 
Sou vida em cena
Essa é minha sina
Ser Cidade em Poema

terça-feira, 24 de junho de 2025

LINHAS

Deus não escreve por linhas tortas,
pois tua sensibilidade inspira perfeição
mesmo quando tropeço e fecho portas,
Teu amor me abre outra direção

Deus de imensidão,
mas em meu peito faz morada
Senhor da criação,
que dos meus tropeços dá risada

Deus não escreve por linhas tortas,
mas entende os desvios do coração
mesmo onde deixei trancadas as portas,
Ele entra com chave de compaixão

Deus que sussurra nos ventos
e acalma as tempestades,
me guarda nos desalentos
e me livra de toda maldade

Deus de beleza que se curva às minhas falhas,
onde habita realeza e faz da dor lição,
me chama por nome entre as batalhas
e me coroa em meio à contradição

Deus não escreve por linhas tortas,
mas sabe ler minhas tentativas tortas,
traduz silêncio, cruza as minhas portas
e dança comigo em minhas derrotas

Deus de maravilhas,
que me conduz a ilhas — internas, solitárias
que ama, partilha,
e não desiste das minhas partidas diárias

Deus não escreve por linhas tortas,
mas faz poesia do que rejeitei
E quando penso ter perdido as rotas,
descubro que foi ali que mais me encontrei

sexta-feira, 20 de junho de 2025

PRETÉRITOS

 num pretérito mais-que-passado

te amei

numa conjugação coloquial

de quem teme o passado

e goza os predicativos chulos

de um presente do indicativo

que nada indica além

do que resiste a milímetros

do umbigo mal curado

tão raso que ao menos

a sincronicidade compartilha

tola, tolima, tolida


há pretérito mais-que-perfeito

onde moram línguas

em riachos doces

ou pastilhas de hortelã 

dissolvidas em goles

desenfreados da cevada

que tampouco Bukowski desconhece

mas antes de qualquer sonoridade falar

hidrate-se do que escorre da boca

antes mesmo de ter nome —

pois o céu da boca não mente,

e as línguas silenciam segredos

que só o suor ousa revelar

entre a constância de um vale e um pico

A poesia, essa vadia sagrada,

mora onde a fala falha:

nas entrelinhas.

e entre nós existe o querer


entre


quarta-feira, 18 de junho de 2025

REFLECTION IN A FOGGED MIRROR

suddenly, I glimpsed myself in the mirror—
not a face, but a flicker of absence
I traced the outline of my eyes,
those quiet abysses where meaning drowned
something in my pupils pulsed like a secret,
yearning to be named
I was there, yet not arrived—
a shadow staring back, unrecognized

still blind to myself,
I danced barefoot on the wet floor
of the bathroom where I had just bathed
I washed, I lathered, I scrubbed—
but the dust of your words,
your touches,
your touch,
your memory,
still clung to my skin—
naked, cold,
almost dead

I looked into the mirror
and saw not me,
but the you
I had created
to survive

alive?

terça-feira, 17 de junho de 2025

FELIZ OUTONO

Hoje a manhã acordou com anseio de amanhã. Como se os ponteiros do tempo estivessem embriagados pela pressa e pudessem pular a dor, adiantar a mágoa, silenciar o que ainda pulsa. Mas não pulam. Não silenciam. O hoje insiste em ser estilhaço do ontem, com a maturidade tardia que só a ferida aberta nos ensina a suportar.

O tempo não recua. As chuvas não se devolvem ao céu em forma de lágrimas. Um abraço quente não permanece onde a vaidade já cavou trincheiras. Sim, o amor é guerra. E amar talvez nosso último ato de revolução.

Hoje é um dia que não deixou de ser especial. E a memória insiste em peças pregar na narrativa do meu recordar. Rasteja em sua noite precoce como um cão ferido buscando o próprio rastro.

Um armandinho sorrateiro da lembrança me castiga com imagens sonoras que antes seriam ternura — hoje são afiados espelhos retrovisores. Caminho encontros e despedidas empregados nos pretérito-mais-que-perfeito. Todavia perfeito nada é.

Carrego no lombo teu corpo despojado de gentileza. Carrego tua infância eriçada, tua defesa armada, tua rispidez travestida de trauma da qual nunca experimentará a cura. Carrego tua voz encostada nas paredes da casa como mofo que não se deixa arrancar, como uma promessa que se apodreceu no tempo ou ainda a leveza de fitar teu corpo já cansado no banco grande e desconfortável da varanda.

E nas ruas, o silêncio. O silêncio do teu adeus nunca dito — apenas vivido. O silêncio que sempre foi a condição gentil.

Queria te desejar a morte em mim, mas na saga tortuosa pela indiferença, acabo te levando flores.
Flores mudas, flores vencidas. Pois fétido já está o requebrado da tua rigidez. E você ainda não percebe.

Meu peito hoje está lavado de esperança — como as escadarias do Bonfim, onde celebro um luto não autorizado. Despi-me de você sem mee despedir do âmago que eu criei.

Contemplo tua ausência como quem contempla um corpo desacordado de si, sem a intrepidez vivaz, enquanto se reza um reggae à meia-luz, entre velas e cinzas.

Feliz o homem que se permite, mesmo temendo, abrir o frasco de um amor guardado — não para ressuscitar, mas para finalmente enterrar os restos dos ossos do almoço insípido que preparei para o meu juízo.

Feliz aquele que aprende a despedir-se sem testemunhas, sem rito, sem culpa. Bem-aventurado o que não por mera aventura degusta o miocárdio quente que ainda pulsa teu nome, pelo simples apetite do possuir.

Feliz o outono, que em seus gravetos erguem guaritas de lucidez. Que a ti revele outra alma, não melhor, apenas menos cruel com os afetos que depositava na armadilha da defraudação. Afetos teu pra ti. Ah, se vc se rendesse de amor por ti. Quem sabe ainda haveria vida!

Feliz outono! Que em seus gravetos de guarita a verdade lhe traga um outro alguém que lhe toque o coração, sem rolá-lo numa mesa de bilhar, encapando em redes que pescam virilidade nesse amor que jaz como um losing game.

Eu, sigo.
Com a alma sangrando em silêncio e o peito limpo da esperança de retorno. E torno a dizer, sê feliz!
Não te espero mais. Não te desespero menos. Mas também não te expulso. Pode ficar, você  faz parte. Te guardo e te felicito junho. Porque há dores que não viram cinzas — viram poesia.

POROS

deixa a louça do café 
o mundo é curto pra se distrair.
vista o corpo com minha pele 
Me banha enquanto o sol  se ressurgir

eu gosto de você 
porque você é tão grande.
de Nietzsche a Monet
também cê fala bem com a glande 

eu gozo com você 
e não enceno o que sinto
você dedilha o prazer 
e nós meus lábios eu sou rio 

deixa a cama por fazer
um continente faz em casa
eu respiro em degradê
nuances em corpos flama em brasa

deixa eu colorir você
deixa eu escalar teu olhos
tudo entre eu e você 
é que nós grita os poros 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

EU REMO

 O açoite me fez carne

E minha carne virou memória.

Nos porões fétidos, úmidos

— onde se abafam nomes —

meu grito apodreceu junto aos teus galardões


Cicatriz que canta em silêncio

nos porões da tua história.

Meu corpo é como a noite

— denso, inteiro, sem clemência.

Esconde as dores que gritam,

e teme o dia com prudência

No leme rompido da minha existência,

sou navio sem rota, mas sigo em resistência

Mercadoria sem nota e de valor vilipendiado,

mas meu passo é tambor — jamais silenciado


Navego os mares que jorram os olhos,

sal feito do sal que me fizeram engolir

Cada lágrima é um remo

cada afogamento, um porvir

Velo corpos ao mar, mães que amamentam secas,

pelos reis que perdem rainha,

guerreiros que desconhecem a luta,

cultura e idiomas que não mais transam

pelos santos quebrados pelos murros,

terreiros queimados, orixás em desterro —

mas o tambor ainda pulsa no escuro.

Esperança a esverdear — quem me dera ser preta


De suas raias mães rasgam a doçura,

Abayomi para as crianças

sementes entre as tranças nos cabelos 

Nosso Dom na tortura: é manter-se duras

e na malemolência requebrar os quadril 


Oh, Colombo, por que de tanta infâmia?

Remo em vielas, em ruas, esquinas,

navego em lágrimas, gritos e sinas.

Eu remo, me tremo na coragem de sobreviver —

Oxalá, meu Deus, saborear o viver.


Renego a graça de me chamar de "ti",

pois não me vês, não me sabes.

Tua língua nunca soube meu nome

Tua boca nunca caberia meus abismos.

Nem teus sonhos as estrelas de lá 


Invoco meus deuses no ar que choro,

Oxum, Iansã, Nzinga e Dandara.

Meu peito é quilombo,

minha alma: espada rara.

Toda dor tem um peito.

Todo preto não tem um sentir.


Mercadorias lançadas ao relento —

som lento ressoa no corpo: tambor a ruir.

Ainda 'stamos em pleno mar,

em nau errante que cravam as favelas.

Senhor dos desgraçados, em tua ira rasga as velas!

E esqueça o mar — essa festa impura que tribupia.

Que reste a terra — onde a dor se costura

com a fibra da luta, e a alma não esfria.


Eu remo.

Contra a corrente do esquecimento,

pelos filhos sem parentesco,

e cultuar sem terras.

Remo contra o naufrágio da cor,

contra os olhos que me negam,

ou as câmeras que me cercam.

Remo pelo espelho que me deixou sem flor

e pelo odor de morte


Temo esse mundo de horror.

Já cansada estou de ser forte.

Temo por esse submundo de pavor

Já não sei se o inferno é aqui

Ou certo estão os que celebram a sorte


domingo, 15 de junho de 2025

SUSAN SONTAG

 eu colecionei beijos por rotina
Transpirei transas por nada mais pra fazer
escalei corpos pelo esporte da sedução
eu atrasei a noite só para te ter


A tua música me encanta 
Teu humor me agridoce 
Tua naturalidade me apanha 
por você anéis de Marte são posses 

Sempre nos saudamos em Deus
Sempre nos aconchegando no olhar
Ah, que pena os medos teus
Eu tinha um mar para te num papel capturar

APROVEITAR A FESTA JUNINA E QUEIMAR UNS GRAVETOS

não haveria tua presença 
se não a angústia da ausência 
assim como soam as melodias
na timidez do silêncio 

você é o que cala em mim
minha repetida discrição
teu olhar alfabetiza minha vida
tonifica a alegria
e não são das gargalhadas que canto 

em casa canto de mim 
mora um pronto secreto 
do que poderíamos ter ido 
e nós permitimos ao ir

no silêncio  do segredo 
de sermos dois
temos um ao outro
dói feito respingos de óleo quente nas íris 
me cega, nos mata
e agonizando eu revivo você

tem dias que queria ser o sol
te aquecer, me aquecer
te alimentar, me satisfazer
e saber que o partir 
é só o charme do retorno ama

Te sepulto todos dias 
E em todas as horas te reviverei

quarta-feira, 11 de junho de 2025

GRAVETO

Há ausências que não sabem ser silenciosas. A sua é uma delas.

O tempo passou e ainda me pego pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Fomos cúmplices como poucos são. Conversávamos por horas, sobre tudo e sobre nada. Havia entre nós uma conexão rara — daquelas que não se explicam, só se sentem. Eu me sentia visto, ouvido, acolhido. E, talvez sem percebermos, estávamos ali... um no outro, em mim em você, e você em mim. Uma presença intensa, silenciosa e cheia de significado.
Nos faltou maturidade. Faltou coragem. Sobraram ciúmes, inseguranças, medo. E palavras que doeram mais do que eu poderia demonstrar, pois as feridas de amor são feriados prolongados. Assim como são os minutos em que você nunca quis parir.

Mesmo assim, eu nunca imaginei que esse afastamento aconteceria de fato. Eu nunca acreditei em tuas juras se silêncio. Que perderíamos o que tínhamos de tão precioso: nossa fidelidade ingênua, nossa lealdade rara, nossas conversas íntimas, inteligentes, cheias de vida. Nossos almoços simples, preparados com cuidado, na intensidade de quem está inteiro ali — e era isso que me encantava: estávamos inteiros um no outro, mesmo sem saber ou ousar assumir. Mas pra que denominar a paz se tantos já guerreiam por ela em nome de si?

Nunca houve fotos, nem exposições. E, de certo modo, isso também era bonito. Talvez por medo, por proteção, ou apenas por querer guardar aquilo só pra nós. E, egoisticamente ou não, eu gostava de imaginar que esses momentos habitavam também a tua memória com o mesmo valor que tinham pra mim.

Te vejo e te tenho como alguém especial. Sempre tive. Mas as tantas palavras agressivas, os silêncios e a rigidez me feriram. Produziram em mim um abismo de dor, medo, insegurança. E, por que não dizer, rejeição. Ainda assim, há uma parte de mim que não deseja um retorno, mas deseja que a vida te desarme. Que você encontre, de verdade, o sentido de ser homem — humano, sensível, leal. Se o teu pecado foi amar, até Deus já sorrir pra nós.

Desejo que essa revelação te ministre amor. E que, de forma mágica, ao tocar um Djavan, uma música da Cássia Eller, do Natiruts ou do Armandinho, alguma memória te leve não a mim, mas a beleza ímpar que é e pode ser você. E que, mesmo sem querer, um sorriso brote no teu rosto. Destes risos bobos, marotos, magrelos e quem sabe que eu sorrindo também eles se encontrem.

Porque, de verdade, todas as vezes que penso em você com paz, é um belo sorriso que se desenha em mim. 
Que mesmo na distância, você possa sorrir também. Sendo ingrato eu chamaria de livramento, porém sendo pureza eu conclamaria a gratidão, pois foi na tua ausência fria e seca que desconstruídamente encontrei quem é você: tudo que não espero pra mim. Gravetos finos e úmidos pelo ranger do medo não queima em labaredas que exige o amar.



CONVEXO

ele viu partir quem ama
em cada passo inversamente proporcional
partia em si as expectativas do agora
esquartejando o riso acolhedor 
envenenando a doçura que escandalizada 
o leito do rio de suas risadas
que desenhara em sua alma 
o colorido da face que se fez cinza
assim como céu outrora laranjado
as pernas não mais suplantavam a fé 
e assas ainda não tinha carícias
pra nós estômago voarem
soluço discreto o risco fino no coração 
sufocou em convexo o peito
que escalava a faringe 
manteve-se pleno 
assim como convinha a um imperador 
assim como aquele que nunca assumiram um amar
guerreou consigo mesmo suas culpas
e se aniquilou no paralisar
um amante
tudo era bem
tudo está bem
tudo haveria de passar 

mas e quando chora o peito o fel
vale a pena na insensibilidade dos outros
recolher o sabor e insípido gargalhar?

nesta vida solipsista só, 
bem só me resta viver
pois quem por mim choraria o meu mal?

AFIXO

Beijei muitas bocas 
as quais não agraciavam seu nome
Corri entre o mar e docas
em todo vento do outono o esperar consome

me deito na pílula que apraz
me esqueço de mim, da paz
revivo discreto o fim
que todo começo espero 

vejo nas perfeições dos outros
a ânsia apolínea em sufoco
prefixo de amar entre muros
paredes, afixos inseguros

entregas são puros pores-de-sol
barganhas são sempre o prazer
por mim, recuso o sol
do raio distante é você 

nem todo sentir é sentimento
E os que inventei é sempre amar

terça-feira, 3 de junho de 2025

RANHURAS

pensamentos conectados
com o desligar das sinapses 
que reconstroem sua voz
nas ranhuras dos muros
violentados pelas raízes dos coqueiros 
que não me trouxeram sombra
mas assombram meu jardim
com folhas secas
de um amor estéril 

o amar é a imprópria desproteção

terça-feira, 20 de maio de 2025

DISTINTO

eu quero a sorte de um amor tranquilo 
de correr sem destino
beijar o teu rosto ao luar

falar o teu nome
sem pronome distinto
de sentir o que sinto
eu quero o amor conjugar

se Deus é amor
se me matou por quê?
se me matou por Deus
se Deus viveu por mim

até Deus chorou 
me vendo falecer
e eu só queria viver
o amor que eu senti

se tudo era sorte 
eu era menino
e seria o meu hino
nas águas do amor me lavar

se tudo era sorte
eu vivia sorrindo
e o mundo colorindo 
com a graça de poder te amar 

sexta-feira, 9 de maio de 2025

HUMANIDADES

no fundo 
anda todo mundo carente 
ansiando um colo, olhar, um abraço 
reflexos de mentes doentes
consumidas por ego, descasos

no profundo
são poucos que riem pra gente
amarras desprendem os laços
culpabilidade perene
o brilho do olhar é um baço

empatia é olhar pra si

quinta-feira, 8 de maio de 2025

VENTO

vento me leva de volta pra casa
entregue me deito em rubro brasas
onde sussurras em ondas rasas
o anseio que escondi de mim 

pai, peça a Deus dois segundos
e no silêncio desgasto o mundo
dando razão à emoção de meu profundo 
e do medo da vida eu ponha fim 

vento volta, sim
pra uma dança inocente
onde piso no teu pé 
onde o encontro se repete

vento volta, sim
acaricia meu cabelo 
me dê cheiro, um cafuné 
eu tô molinho, entregue inteiro

quem foi que nunca viu o amor acontecer
a Deus pergunta a razão de seu viver
quem foi que nunca sentiu o rosto um tom corar
vento, se achegue
faça a brasa incendiar 

ARREBOL

a casa nunca é vazia
enquanto em mim cê habitar
nas falas que calam, nas risadas
ou ideias tolas que jurei tatuar

a ausência tua nunca foi partida
nem a presença a satisfação 
toda rua um beco sem saída 
cê no inverno faz intenso verão 

ainda em estação que não era certa
semeei em ti minha devoção 
nas chuvas dos choros, poesias discretas
colhi o colorido de teu coração 

o riso nunca é tristeza
canto do rio o anseio do mar
no olhar a moradia da beleza
em teu beijo o meu afogar

a ausência tua nunca foi partida
nem a presença a satisfação 
toda rua um beco sem saída 
cê no inverno, paz de verão 

agora que foi
volta nas voltas do sol
agora que foi
traz de volta o arrebol