quarta-feira, 18 de junho de 2025

REFLECTION IN A FOGGED MIRROR

suddenly, I glimpsed myself in the mirror—
not a face, but a flicker of absence
I traced the outline of my eyes,
those quiet abysses where meaning drowned
something in my pupils pulsed like a secret,
yearning to be named
I was there, yet not arrived—
a shadow staring back, unrecognized

still blind to myself,
I danced barefoot on the wet floor
of the bathroom where I had just bathed
I washed, I lathered, I scrubbed—
but the dust of your words,
your touches,
your touch,
your memory,
still clung to my skin—
naked, cold,
almost dead

I looked into the mirror
and saw not me,
but the you
I had created
to survive

alive?

terça-feira, 17 de junho de 2025

FELIZ OUTONO

Hoje a manhã acordou com anseio de amanhã. Como se os ponteiros do tempo estivessem embriagados pela pressa e pudessem pular a dor, adiantar a mágoa, silenciar o que ainda pulsa. Mas não pulam. Não silenciam. O hoje insiste em ser estilhaço do ontem, com a maturidade tardia que só a ferida aberta nos ensina a suportar.

O tempo não recua. As chuvas não se devolvem ao céu em forma de lágrimas. Um abraço quente não permanece onde a vaidade já cavou trincheiras. Sim, o amor é guerra. E amar talvez nosso último ato de revolução.

Hoje é um dia que não deixou de ser especial. E a memória insiste em peças pregar na narrativa do meu recordar. Rasteja em sua noite precoce como um cão ferido buscando o próprio rastro.

Um armandinho sorrateiro da lembrança me castiga com imagens sonoras que antes seriam ternura — hoje são afiados espelhos retrovisores. Caminho encontros e despedidas empregados nos pretérito-mais-que-perfeito. Todavia perfeito nada é.

Carrego no lombo teu corpo despojado de gentileza. Carrego tua infância eriçada, tua defesa armada, tua rispidez travestida de trauma da qual nunca experimentará a cura. Carrego tua voz encostada nas paredes da casa como mofo que não se deixa arrancar, como uma promessa que se apodreceu no tempo ou ainda a leveza de fitar teu corpo já cansado no banco grande e desconfortável da varanda.

E nas ruas, o silêncio. O silêncio do teu adeus nunca dito — apenas vivido. O silêncio que sempre foi a condição gentil.

Queria te desejar a morte em mim, mas na saga tortuosa pela indiferença, acabo te levando flores.
Flores mudas, flores vencidas. Pois fétido já está o requebrado da tua rigidez. E você ainda não percebe.

Meu peito hoje está lavado de esperança — como as escadarias do Bonfim, onde celebro um luto não autorizado. Despi-me de você sem mee despedir do âmago que eu criei.

Contemplo tua ausência como quem contempla um corpo desacordado de si, sem a intrepidez vivaz, enquanto se reza um reggae à meia-luz, entre velas e cinzas.

Feliz o homem que se permite, mesmo temendo, abrir o frasco de um amor guardado — não para ressuscitar, mas para finalmente enterrar os restos dos ossos do almoço insípido que preparei para o meu juízo.

Feliz aquele que aprende a despedir-se sem testemunhas, sem rito, sem culpa. Bem-aventurado o que não por mera aventura degusta o miocárdio quente que ainda pulsa teu nome, pelo simples apetite do possuir.

Feliz o outono, que em seus gravetos erguem guaritas de lucidez. Que a ti revele outra alma, não melhor, apenas menos cruel com os afetos que depositava na armadilha da defraudação. Afetos teu pra ti. Ah, se vc se rendesse de amor por ti. Quem sabe ainda haveria vida!

Feliz outono! Que em seus gravetos de guarita a verdade lhe traga um outro alguém que lhe toque o coração, sem rolá-lo numa mesa de bilhar, encapando em redes que pescam virilidade nesse amor que jaz como um losing game.

Eu, sigo.
Com a alma sangrando em silêncio e o peito limpo da esperança de retorno. E torno a dizer, sê feliz!
Não te espero mais. Não te desespero menos. Mas também não te expulso. Pode ficar, você  faz parte. Te guardo e te felicito junho. Porque há dores que não viram cinzas — viram poesia.

POROS

deixa a louça do café 
o mundo é curto pra se distrair.
vista o corpo com minha pele 
Me banha enquanto o sol  se ressurgir

eu gosto de você 
porque você é tão grande.
de Nietzsche a Monet
também cê fala bem com a glande 

eu gozo com você 
e não enceno o que sinto
você dedilha o prazer 
e nós meus lábios eu sou rio 

deixa a cama por fazer
um continente faz em casa
eu respiro em degradê
nuances em corpos flama em brasa

deixa eu colorir você
deixa eu escalar teu olhos
tudo entre eu e você 
é que nós grita os poros 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

EU REMO

 O açoite me fez carne

E minha carne virou memória.

Nos porões fétidos, úmidos

— onde se abafam nomes —

meu grito apodreceu junto aos teus galardões


Cicatriz que canta em silêncio

nos porões da tua história.

Meu corpo é como a noite

— denso, inteiro, sem clemência.

Esconde as dores que gritam,

e teme o dia com prudência

No leme rompido da minha existência,

sou navio sem rota, mas sigo em resistência

Mercadoria sem nota e de valor vilipendiado,

mas meu passo é tambor — jamais silenciado


Navego os mares que jorram os olhos,

sal feito do sal que me fizeram engolir

Cada lágrima é um remo

cada afogamento, um porvir

Velo corpos ao mar, mães que amamentam secas,

pelos reis que perdem rainha,

guerreiros que desconhecem a luta,

cultura e idiomas que não mais transam

pelos santos quebrados pelos murros,

terreiros queimados, orixás em desterro —

mas o tambor ainda pulsa no escuro.

Esperança a esverdear — quem me dera ser preta


De suas raias mães rasgam a doçura,

Abayomi para as crianças

sementes entre as tranças nos cabelos 

Nosso Dom na tortura: é manter-se duras

e na malemolência requebrar os quadril 


Oh, Colombo, por que de tanta infâmia?

Remo em vielas, em ruas, esquinas,

navego em lágrimas, gritos e sinas.

Eu remo, me tremo na coragem de sobreviver —

Oxalá, meu Deus, saborear o viver.


Renego a graça de me chamar de "ti",

pois não me vês, não me sabes.

Tua língua nunca soube meu nome

Tua boca nunca caberia meus abismos.

Nem teus sonhos as estrelas de lá 


Invoco meus deuses no ar que choro,

Oxum, Iansã, Nzinga e Dandara.

Meu peito é quilombo,

minha alma: espada rara.

Toda dor tem um peito.

Todo preto não tem um sentir.


Mercadorias lançadas ao relento —

som lento ressoa no corpo: tambor a ruir.

Ainda 'stamos em pleno mar,

em nau errante que cravam as favelas.

Senhor dos desgraçados, em tua ira rasga as velas!

E esqueça o mar — essa festa impura que tribupia.

Que reste a terra — onde a dor se costura

com a fibra da luta, e a alma não esfria.


Eu remo.

Contra a corrente do esquecimento,

pelos filhos sem parentesco,

e cultuar sem terras.

Remo contra o naufrágio da cor,

contra os olhos que me negam,

ou as câmeras que me cercam.

Remo pelo espelho que me deixou sem flor

e pelo odor de morte


Temo esse mundo de horror.

Já cansada estou de ser forte.

Temo por esse submundo de pavor

Já não sei se o inferno é aqui

Ou certo estão os que celebram a sorte


domingo, 15 de junho de 2025

SUSAN SONTAG

 eu colecionei beijos por rotina
Transpirei transas por nada mais pra fazer
escalei corpos pelo esporte da sedução
eu atrasei a noite só para te ter


A tua música me encanta 
Teu humor me agridoce 
Tua naturalidade me apanha 
por você anéis de Marte são posses 

Sempre nos saudamos em Deus
Sempre nos aconchegando no olhar
Ah, que pena os medos teus
Eu tinha um mar para te num papel capturar

APROVEITAR A FESTA JUNINA E QUEIMAR UNS GRAVETOS

não haveria tua presença 
se não a angústia da ausência 
assim como soam as melodias
na timidez do silêncio 

você é o que cala em mim
minha repetida discrição
teu olhar alfabetiza minha vida
tonifica a alegria
e não são das gargalhadas que canto 

em casa canto de mim 
mora um pronto secreto 
do que poderíamos ter ido 
e nós permitimos ao ir

no silêncio  do segredo 
de sermos dois
temos um ao outro
dói feito respingos de óleo quente nas íris 
me cega, nos mata
e agonizando eu revivo você

tem dias que queria ser o sol
te aquecer, me aquecer
te alimentar, me satisfazer
e saber que o partir 
é só o charme do retorno ama

Te sepulto todos dias 
E em todas as horas te reviverei

quarta-feira, 11 de junho de 2025

GRAVETO

Há ausências que não sabem ser silenciosas. A sua é uma delas.

O tempo passou e ainda me pego pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Fomos cúmplices como poucos são. Conversávamos por horas, sobre tudo e sobre nada. Havia entre nós uma conexão rara — daquelas que não se explicam, só se sentem. Eu me sentia visto, ouvido, acolhido. E, talvez sem percebermos, estávamos ali... um no outro, em mim em você, e você em mim. Uma presença intensa, silenciosa e cheia de significado.
Nos faltou maturidade. Faltou coragem. Sobraram ciúmes, inseguranças, medo. E palavras que doeram mais do que eu poderia demonstrar, pois as feridas de amor são feriados prolongados. Assim como são os minutos em que você nunca quis parir.

Mesmo assim, eu nunca imaginei que esse afastamento aconteceria de fato. Eu nunca acreditei em tuas juras se silêncio. Que perderíamos o que tínhamos de tão precioso: nossa fidelidade ingênua, nossa lealdade rara, nossas conversas íntimas, inteligentes, cheias de vida. Nossos almoços simples, preparados com cuidado, na intensidade de quem está inteiro ali — e era isso que me encantava: estávamos inteiros um no outro, mesmo sem saber ou ousar assumir. Mas pra que denominar a paz se tantos já guerreiam por ela em nome de si?

Nunca houve fotos, nem exposições. E, de certo modo, isso também era bonito. Talvez por medo, por proteção, ou apenas por querer guardar aquilo só pra nós. E, egoisticamente ou não, eu gostava de imaginar que esses momentos habitavam também a tua memória com o mesmo valor que tinham pra mim.

Te vejo e te tenho como alguém especial. Sempre tive. Mas as tantas palavras agressivas, os silêncios e a rigidez me feriram. Produziram em mim um abismo de dor, medo, insegurança. E, por que não dizer, rejeição. Ainda assim, há uma parte de mim que não deseja um retorno, mas deseja que a vida te desarme. Que você encontre, de verdade, o sentido de ser homem — humano, sensível, leal. Se o teu pecado foi amar, até Deus já sorrir pra nós.

Desejo que essa revelação te ministre amor. E que, de forma mágica, ao tocar um Djavan, uma música da Cássia Eller, do Natiruts ou do Armandinho, alguma memória te leve não a mim, mas a beleza ímpar que é e pode ser você. E que, mesmo sem querer, um sorriso brote no teu rosto. Destes risos bobos, marotos, magrelos e quem sabe que eu sorrindo também eles se encontrem.

Porque, de verdade, todas as vezes que penso em você com paz, é um belo sorriso que se desenha em mim. 
Que mesmo na distância, você possa sorrir também. Sendo ingrato eu chamaria de livramento, porém sendo pureza eu conclamaria a gratidão, pois foi na tua ausência fria e seca que desconstruídamente encontrei quem é você: tudo que não espero pra mim. Gravetos finos e úmidos pelo ranger do medo não queima em labaredas que exige o amar.



CONVEXO

ele viu partir quem ama
em cada passo inversamente proporcional
partia em si as expectativas do agora
esquartejando o riso acolhedor 
envenenando a doçura que escandalizada 
o leito do rio de suas risadas
que desenhara em sua alma 
o colorido da face que se fez cinza
assim como céu outrora laranjado
as pernas não mais suplantavam a fé 
e assas ainda não tinha carícias
pra nós estômago voarem
soluço discreto o risco fino no coração 
sufocou em convexo o peito
que escalava a faringe 
manteve-se pleno 
assim como convinha a um imperador 
assim como aquele que nunca assumiram um amar
guerreou consigo mesmo suas culpas
e se aniquilou no paralisar
um amante
tudo era bem
tudo está bem
tudo haveria de passar 

mas e quando chora o peito o fel
vale a pena na insensibilidade dos outros
recolher o sabor e insípido gargalhar?

nesta vida solipsista só, 
bem só me resta viver
pois quem por mim choraria o meu mal?

AFIXO

Beijei muitas bocas 
as quais não agraciavam seu nome
Corri entre o mar e docas
em todo vento do outono o esperar consome

me deito na pílula que apraz
me esqueço de mim, da paz
revivo discreto o fim
que todo começo espero 

vejo nas perfeições dos outros
a ânsia apolínea em sufoco
prefixo de amar entre muros
paredes, afixos inseguros

entregas são puros pores-de-sol
barganhas são sempre o prazer
por mim, recuso o sol
do raio distante é você 

nem todo sentir é sentimento
E os que inventei é sempre amar

terça-feira, 3 de junho de 2025

RANHURAS

pensamentos conectados
com o desligar das sinapses 
que reconstroem sua voz
nas ranhuras dos muros
violentados pelas raízes dos coqueiros 
que não me trouxeram sombra
mas assombram meu jardim
com folhas secas
de um amor estéril 

o amar é a imprópria desproteção

terça-feira, 20 de maio de 2025

DISTINTO

eu quero a sorte de um amor tranquilo 
de correr sem destino
beijar o teu rosto ao luar

falar o teu nome
sem pronome distinto
de sentir o que sinto
eu quero o amor conjugar

se Deus é amor
se me matou por quê?
se me matou por Deus
se Deus viveu por mim

até Deus chorou 
me vendo falecer
e eu só queria viver
o amor que eu senti

se tudo era sorte 
eu era menino
e seria o meu hino
nas águas do amor me lavar

se tudo era sorte
eu vivia sorrindo
e o mundo colorindo 
com a graça de poder te amar 

sexta-feira, 9 de maio de 2025

HUMANIDADES

no fundo 
anda todo mundo carente 
ansiando um colo, olhar, um abraço 
reflexos de mentes doentes
consumidas por ego, descasos

no profundo
são poucos que riem pra gente
amarras desprendem os laços
culpabilidade perene
o brilho do olhar é um baço

empatia é olhar pra si

quinta-feira, 8 de maio de 2025

VENTO

vento me leva de volta pra casa
entregue me deito em rubro brasas
onde sussurras em ondas rasas
o anseio que escondi de mim 

pai, peça a Deus dois segundos
e no silêncio desgasto o mundo
dando razão à emoção de meu profundo 
e do medo da vida eu ponha fim 

vento volta, sim
pra uma dança inocente
onde piso no teu pé 
onde o encontro se repete

vento volta, sim
acaricia meu cabelo 
me dê cheiro, um cafuné 
eu tô molinho, entregue inteiro

quem foi que nunca viu o amor acontecer
a Deus pergunta a razão de seu viver
quem foi que nunca sentiu o rosto um tom corar
vento, se achegue
faça a brasa incendiar 

ARREBOL

a casa nunca é vazia
enquanto em mim cê habitar
nas falas que calam, nas risadas
ou ideias tolas que jurei tatuar

a ausência tua nunca foi partida
nem a presença a satisfação 
toda rua um beco sem saída 
cê no inverno faz intenso verão 

ainda em estação que não era certa
semeei em ti minha devoção 
nas chuvas dos choros, poesias discretas
colhi o colorido de teu coração 

o riso nunca é tristeza
canto do rio o anseio do mar
no olhar a moradia da beleza
em teu beijo o meu afogar

a ausência tua nunca foi partida
nem a presença a satisfação 
toda rua um beco sem saída 
cê no inverno, paz de verão 

agora que foi
volta nas voltas do sol
agora que foi
traz de volta o arrebol


quarta-feira, 30 de abril de 2025

UM AMÉM

no coração 
ainda residia o percurso 
que tua musculatura esboçava 
para sorrir ao meu ver

em meus olhos 
ainda iluminavam as notas
das canções tolas 
que orquestrava 
para divertir o meu dia

em minhas mãos 
o gosto do alho descascado 
masturbava minha papilas gustativas 
em erupções do sabor do beijo
que te respeitei

em minha casa
ainda descansa tua voz
sussurrando silenciosamente 
aquela frase boba
que eternizou em mim

em minhas lembranças 
o esquecimento de nossas tardes
martela águas de um rio mole
na rispidez de dois corações duros

você se fez e faz
constância do que poderia ter sido
se a condicional do secreto
não rassurasse a indiscrição 

com todo rancor dos desejos
ainda louvei a Deus 
por tua vida

quem morre em mim
segue o fluxo de me trazer vida
pois estar vivo
é viver
um amém 


sábado, 26 de abril de 2025

I CAN'T STOP LOVIN' YOU

copulei com as estações do ano
exalei meus risos na primavera
me deixei ser verão nos espasmos 
despi a alma das vestes imaculadas no outono 
recolhi-me aos recôncavos no inverno 
me respondi como bipolar
ignorando as normas das murmurações 
eu inventei pra mim um mundo
e no meu mundo a frequência é o desestabilizar

feliz o homem 
que habita o mundo 
do poder ser
e ignorar ser poder

sexta-feira, 25 de abril de 2025

COMO MORRE UM HERÓI

Como em toda consagração, despí-me das vestes ritualísticas de meu culto profano. Com êxito e regozijo dos olhos sangrentos que observam profanei a verdade de ser puramente eu.
A verdade não mais reside no cinto que sustenta o meu sentir e as direções de meus passos. Caminho por delicados ensaios de risos, abraços e cumprimentos educadamente treinados pela conveniência do social. É injusto me contemplar indefeso diante às armadilhas que eu mesmo traço no compromisso de administrar os anseios que o mundo suspira de mim. Cada mentira que prego para minha refém consciência me expõe ao vexame de desprotegido estar. E ainda assim caminho léguas em direção ao retardo do que almejo pra mim. Mas sempre conjugo a pluralidade de nós.
Sou abelha que opera solitária a missão de apregoar a paz. Eu que a desconheço. Eu que sucumbo aos ruídos ferozes das condenações que orquestram minha fé. Eu que luto um luto da morte da paz que nunca vivi. Desembainho a espada da palavra que sussurada cala teu sobrenome. Eu vivo na terceira pessoa do singular. E nas bocas de terceiros vivem o meu real gargalhar. Eu não sou rei para ser real.
Fraco, débil, franzino, esboço a minha presença na consciência da multidão. Ali me alegro. Ali me exulto. Aqui me desmonto da inverdade de ser herói.
Ainda celebrando essa ministração, eu recolho com zelo as partes da armadura, repousando-a sobre o travesseiro, onde descansarei meu corpo devorado pela insônia da verdade. Restos diurnos alimentam minha exortação. Fragmentos de glória iluminam os caminhos por onde percorrem as águas salinas do meu olhar vazio.
E por fim, me desculpo da infame mágica do retroceder.
Qual herói te recolherá o riso do acreditar?

quarta-feira, 23 de abril de 2025

PÓS FESTA

De repente fui acometido pelo incômodo questionamento: que riso você esboça quando a multidão se vai?
Como habilidoso artilheiro driblei as verdades íntimas que se derramavam sobre minha alegria. Como artista intrépido, delicado e sagaz rasurei em minha face as marcas de celebrações pretéritas, mas meu júbilo era fúnebre.
Aconchegado pela penumbra da sala de estar vazia sucumbi ao choro. Um riacho sedento pelas vadiagens dos rios ejaculavam de meus olhos. Uma mistura viril e antagônicamente covarde se satisfazia de meu fracasso comigo. Eu errei, vacilei com o compromisso firmado em não abandonar a mim.
Aquela pergunta inoportuna me povoava cada milímetro do corpo. O meu ar era poluído pelas lembranças que meus mantras não aquietavam. E eu me esforçava para contrariar a razão. Tem dias que a razão falha. E tem falhas que a razão destrói os dias. 
Publicamente posturado na armadura de bom moço, incorruptível e honesto, saqueei a única reserva de integridade que me restava. Assumi pra mim que nunca deixei de amar você.

domingo, 20 de abril de 2025

PÁSCOA

 foi amor
foi amor que Ele veio instaurar
foi amor que Ele veio ensinar
e foi na dor que Ele demonstrou esse amor
simplesmente para mostrar
que minha vida tem valor

foi paz
foi paz que Ele veio ministrar
foi por paz que Ele não guerreou
a outra face disponibilizou 
e todo entendimento suplantou, ultrapassou 

Ele é quem vem depois que a esperança morre
Ele vem quando o melhor amigo corre
Ele tem tudo aquilo que ao homem socorre
não o ignore

deixa nesse domingo
O Jesus renascer
deixa nesse domingo
na cruz o teu pesar

deixa nesse domingo 
O Jesus em ti viver
deixa de ser sozinho
de braços abertos ele morreu
só para te abraçar 

dê hoje a você a oportunidade da ressurreição 
RECOMECE
pois essa é a razão da cruz vazia estar

terça-feira, 15 de abril de 2025

ÚLTIMO DIA EM SÃO FIDÉLIS

se fosse hoje
o meu último dia em São Fidélis 
eu amanheceria de novo
com meus olhos molhados
e prometeria que uma vez mais viria te ver

correria desesperado pela ponte
tatuando no rosto o vento quente do Paraíba 
eu acenaria para toda gente 
e faria juras que logo voltaria 

se fosse hoje
meu último dia em São Fidélis 
eu adoçaria minhas palavras nos quindins 
invejaria os casadinhos 
observando-os na pracinha dos namorados 
ou a moça de seio perfeito
deitada no caminho para Angelim

oh, linda é essa poesia
tem sabor de chocolate 
solar como os quindins
dourado, prateado, rubro, negra
e destila boas rimas
na pureza de um amor coroado 

é de Vicente, de Paula, Ronaldo
é de Maria, de Antônio, Roberto
é de meu peito aberto

se fosse o meu último dia aqui
eu levantaria bem cedo
e de frente para São Fidélis rogaria
que fosse amanhã hoje outra vez

ah, São Fidélis 
quando estiver eu com meu corpo cansado
receba em teu terra
me acolha, me abraça, me aqueça 
para que possa eu germinar, brotar, crescer 
e outra vez florescer POEMA


LEVE

me dê pouco espaço
e me afasto em espasmos
de nós não disfarço 
em nós nos refaço 

me dê um pouco de tempo 
e eternizo o estar
te coleciono momentos
leve o tempo que levar

amor bom é leve
pra ser leve 
leva uma vida de amar

segunda-feira, 14 de abril de 2025

RECOMEÇAR

faça pão 
toma um vinho
faça dramas
abra caminhos

ensaia um não 
se dê um sim
costure as tramas
há começos no fim

sexta-feira, 11 de abril de 2025

RESPOSTAS

pus à mesa meu sentir
desfiz dos silêncios as indagações 
indaguei das respostas os sentidos
senti na pele a frieza dos vulcões 
me larvei de ti

em meu mar de lágrimas 
me fiz ilha posta
e resposta do fim 
que nunca foi sim

terça-feira, 8 de abril de 2025

EXISTIU

de repente
um abraço quente 
um suspiro forte
um silêncio sussurrado 
uma distância descartada
uma doce paz 
e a saudade terna 
em rememorar você 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

OLHOS

como regular inquilina
ela residia em meus olhos
resistia ao sol, resistia às brisas
se hidratava nas chuvas
se alimentava de meus silêncios

como devota amante 
ela satisfazia-me dos embargos
me orquestrava em espasmos efêmeros
mentia pra mim e me revelava verdades
se acalentava de meus pensamentos 

hoje a lágrima me abandonou 
e num choro atropelado por suspiros
lavou-me de mim

terça-feira, 1 de abril de 2025

COR

eu corro
para dar corda
ao eu
que sempre acorda
para desacordar
as cordas 
que de cor
decoro 
no decoro da paz

eu corro
e me ponho cor, rapaz

sexta-feira, 28 de março de 2025

MOMENTS

como ser inteiro
se, em partes, me falta 
a parte de você?

como ser leve
sem a leveza que me leva
você ao chegar?

como ser sorriso
se a graça é tua graça 
presente em cada cantar?

will I see you 
in the morning?

without you
is everything boring?


quarta-feira, 26 de março de 2025

VERDE

e o amor me curou
feito chuva repentina que acaricia as folhas
me lavando das mentiras 
dos falsos amores
reatando as partidas
revelando o céu 

o amor me pegou
me desatou os nós 
me coloriu de vida
me afinou a voz
e cantei pra mim
aquecendo o sol

o amar deve ser verde
e de esperança corar a paz

terça-feira, 25 de março de 2025

LA PETITE MORT

"Não sou o último romântico, mas faço questão de ser o primeiro a ecoar as rimas dos poetas que conclamam o amor. 
Somos cínicos e melindrosos quando a pauta é a exposição de nós. Caminhamos receosos no ruído inicial de uma entrega e nos reservamos calados em nossos medos.
Nunca houve uma sociedade onde ser forte fosse tão propagado, exigido e cultuado. Efêmeras projeções de perfeição. Proclamamos a independência de nossos sentidos e nada sentimos. Somos sequenciais ressentimentos sem cura."
Essas eram as palavras que ecoavam em sua mente vasta enquanto Lulu Santos cantava "O último romântico", logo após as poesias de Cazuza. E isso não houvera sido combinado. Mas uma vez a vida se divertia rindo das peripécias que pregava para o coroar tolo da corte que o cortava friamente o sorriso da calma.
A casa, como de costume, seguia vazia. No sofá cor-de-alguma-pele repousava o seu corpo cansado de nada fazer e refeito de todas as sensações que inspirara gozar. La petite mort o sepultou sozinho, refém de sua mão.
Seus movimentos eram arcaicos, frígidos, doloridos. Sua voz, desculpa para um abraço. Seu olhar, reclamações de um cuidado que esperava receber na cumplicidade de ser acolhido ou, de fato, amado.
Nas paredes da sala pequena rasuras de promessas não cumpridas confundiam a esperança de que o minuto passado poderia reviver e cada frustração ser projeções únicas de seus medos.
Não se enganem, nessa vida o que te cabe é a responsabilidade de si, mas você nunca será pureza de quem é. O mundo vai mentir pra ti e de ti tirar a castidade do suspirar.
Ele soluçou vivaz. Seguiu-se desmontando num suspiro seco. Em sua face o que ficou foi a poeira da exposição de si. E Lulu nem cantava mais.
Cada um sabe da dor de si. Cada um procura a metade que perdeu ou o quarto que lhe restou feito o inquilino educado, doce e discreto. Ao outro o que cabe é o ferir.
O que é o homem senão o dom de iludir?
Ou o que é a ilusão senão uma puta que em pequenas mortes nos vela a cura?


DIAS CINZAS

E ficou por vários minutos parado na janela observando o movimento lento das pessoas que transitavam na rua. Sua vista privilegiada se estabelecia feito um mirante de observação fria de um sentinela. Não esboçava o que residia em sua mente. De seu olhar só se via o investimento da atenção. No mais, era uma ímpar neutralidade, estático movimento, frieza ríspida.
Dia cinza, por horas lavados pelas lágrimas do sol impedido pelas nuvens densas de sair. Os operários ainda trabalhavam disciplinados na obra da iluminação da quadra. Mas no bairro o que morava era a escuridão naquela quarta-feira. Por ser negro era triste?

terça-feira, 18 de março de 2025

PARTIDO ALTO

te vi escapar lentamente 
entre as educadas desculpas
tive um engasgo repentino
ao reconhecer em nós a imprevisão 
com a garganta seca
e a voz embargada consenti a despedida
despido de esperança 
sucumbi ao movimento cíclico do querer
tantos passos interrompidos pela chegada
tantas permanências interrompidas pelo partir
parte de nós foi saudades
outras tais singular desmerecer

no meu partido alto sambei 
comungando o chão 

domingo, 16 de março de 2025

RIO QUE NUNCA RI

o meu corpo inteiro conclama cansaço 
as emoções degladiam sobre a pele
que deflora o silêncio
sou por completo ausências
ou a habitual presença de na areia morrer

já nadei por tantos rios platônicos
que hoje seca chora minhas mãos 

sábado, 15 de março de 2025

COM FUSÕES

em meus olhos reside uma represa
em meu coração uma escola de samba 
desfilando em iceberg
em minhas mãos repousa um mar
em meus passos um labirinto
e em minhas palavras você

quinta-feira, 13 de março de 2025

PALADAR


Treino minha mente para distrações banais na tentativa idiota de esquecer teu nome. Graça doce que pronuncio no treinamento da fé. E eu odeio sobremesas.
As contrariedades que tua existência produz em mim desafiam os alicerces em que se estabelece minha autoproteção ingênua e tua perspicácia sorri pra mim. Eu gosto disso!
Vivo no paradoxal movimento de lembrar de te esquecer para não recordar a razão ímpar da saudade que amarga o peito. Tua presença agridoça meu dia. Me liquefaz como uma vitamina de leite e abacate com biscoito maisena. Eu gosto disso!
Gosto de imaginar o sabor de tua boca ao encontro de todas as bocas que em meu corpo clamam por ti. Nosso olhar silencia a multidão, nossos compassos silencia a reserva, nossas mãos aquietam a vontade, nosso hálito amenizam as fugas. Minha boca se encharca de ti. E eu gozo disso.
Entre tantas outras coisas, eu quero lamber o teu cérebro.

QUARTO GRANDE


Voltas complexas os ponteiros desenhavam no relógio enquanto na mente os pensamentos se tocavam em sinapses descompassadas. Um quarto faltava ainda para as onze e um edredom azul marinho pespontado por linhas que se inspiravam no mar se esticava na janela no canto esquerdo do quarto no intento de reproduzir a noite. A escuridão no miocárdio reluzia a paz que não há.
No lado de fora da casa, operários de construção destrinchavam a calçada recém inaugurada para a criação de sulcos por onde pudesse escorrer as águas da chuva que estava por vir. O ronco fúnebre do ventilador silenciava a violência que se expandia no concreto cinza, mas em sua cabeça o abstrato tomava forma se alimentando das frustrações cotidianas.
Havia um desespero descoberto em seu olhar.
Nas paredes que se projetavam insinuantes da sala se revelavam as inquietações das tímidas inquilinas pinceladas em algodão cru encoberto por tinta acrílica branca. Tentativas frustradas de negar sua sonoridade.
Havia um choro reprimido em suas gargalhadas.
No lençol limpo e perfumado que descansava em seu leito o que repousava era medo, esgotamento e desejos. Era audível o ruído dos sonhos perdidos no cansaço de esperar.
No quarto grande da casa duzentos e quatro o que residia era o amargo de findo estar.
Quem é herói todos os dias?

quarta-feira, 12 de março de 2025

CICATRIZES

fiz as pazes com as dores
acariciei as cicatrizes 
em minha mente pus flores
cultuando as mortes 
que me fazem vida
sem desperdiçar os odores
exalados das feridas 
fantasiadas de amores


sexta-feira, 7 de março de 2025

QUASE

ontem quase te liguei
por pouco sucumbi ao ímpeto 
de por uma mensagem despretensiosa 
revelar a intenção de saber de você 
bisbilhotar teu silêncio 
aquecer os segundos frios
de tuas respostas não-enviadas
e quem sabe colorir
um riso tenro no teu rosto 

ontem por bem pouco
não morri de saudade
e revelei os espasmos
que velo secretamente na solidão 
de aguardar teu retorno

ontem em minhas vagas ilusões 
conversei com teus abraços
e versei nos olhares discretos uma poesia
por bem pouco não cantei 
na pronúncia de teu nome um blues
enquanto dançava sozinho uma coreografia 
criada para um pas de deux 

hoje eu morri muitas vezes
no todo dia em que me lembro você 

Conta-gotas


partiu em partes regulares a despedida
despistou o olhar
desvirginou a saída
trouxe no verão um inverno em mim 
e em meus olhos inaugurou março 
que lava no peito o renovo do fim
enquanto em seu leito
corre lento o rio ao rir

na ruptura do silêncio 
que se cala o reencontrar

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

FEVEREIRO

me fantasiei de mar

roubei do vento as ondas

bailei no alto das montanhas 

sambei desejos do descompassar


compus enredos infantis

mestre em sala vazia

velha em guarda agonia

lavando-me de amores gentis


carnificina de liberdades

oficina de calosidades

por sina de reciprocidades

todo carnaval tem meu fim

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

FRIO HOTEL

boca frutada à romã
resseca meus anseios de um amanhã 
despeço do que nem peço sã
entrego-me em intrigas vãs
me vou pagã 

descreio das rosas que falam
visito os silêncios que gritam
nas turbinas na aeronave que me levam ao céu 
e me distanciam deus

meu coração ama sem freio
o Rio de fevereiro anda arredio
a saudade me tole arrepios
clamando por paz guerreiro
me vou derradeiro

beleza à mesa devora o presente
abraços fecundados em corpos ausentes
em estilhaços de lua outrora crescente
espasmos adestrados, prepotentes
me vou rente 

nesse frio hotel de terça 
existe (eu) amor em SP

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

De bem

 e me despe a alma

sem me temperar com despedida 

pelo contrário 

me propõe vida


Senhor do Tempo

paralise teus ponteiros

para que se prolongue em mim

essa suspensão 


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Respiração


se o extraordinário vive no ordinário 

o sobrenatural naturalmente se constrói 

todo século é um diário 

mesmo quando o construir me destrói 


é sempre um respirar

entre um fôlego e outro



domingo, 12 de janeiro de 2025

Inteiro

 às vezes 

o que você sente

mente pra você 

te criando um mundo

que não te cabe


e sabe,

pode ser melhor

a solidão 

que a companhia que te faz só 

que te faz pó 

e sem dó 

parte em você 


às vezes 

é necessário se ser inteiro

e o às vezes pode ser sempre

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Desbalança

conta para mim uma canção de amor

fala-me de teus erros e do teu pavor

diga que não vai ter fim todo esse calor

cala-me os segredos 

e nus, pintamos de cor


me chama pra uma dança 

meus passos te alcançam 

te chamo pra minha vida

sem saída, sem despida, sem um logo mais


só um pouco mais

só pouquinho mais

um pouco sem mas

tudo contigo é tudo, é mundo

mesmo no nada


quero nadar no rio do teu beijo

colher no céu de tua boca estrelas

realizar desejos


me desbalança


terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Conduza

 quero nadar com você 

eu te quero no tudo

sem a roupa se intrometer 

te revelar meu mundo 


que tal parar o relógio 

e brincar de não esconder?

desfaço-me do lógico 

das contas, mania de entender 


quero nadar em ti 

meu rio se deságua no teu paladar 

o verão mora em ti

pecado é não dançar no teu arrastar


tudo em ti é música 

desde a forma de falar

gosto que minha paz conduza

eu me esqueço até de respirar