segunda-feira, 22 de setembro de 2025

QUANDO O BERÇO SANGRA

Hoje o céu escancarou o que não adormecia em meu peito regrado a pílulas de autocontrole. A chuva insistiu em desabar como se fosse arrancar cada gota de melancolia que eu mantinha cativa no silêncio. Já não adianta disfarçar o torpor do peito nem fingir que os risos mornos compensam o vazio no eco das horas. Cada passo era uma negociação entre o desejo de ser forte e a urgência de ceder ao pranto que escorria, invisível aos outros.

Sinto que carrego dentro de mim uma marcha lenta de pensamentos, pequenas bombas de medo, culpa, expectativa mal resolvida, soterradas pela cortina fria das aparências. Cumpro horários, troco frases feitas, brindo com copos que sabem de minha dor, mas não a refletem. A cevada escorre, gelada, e me observo: sou oceano em tempestade; sou rosto calmo no espelho quebrado.

Onde estará, então, o colo de uma escuta sincera? O abraço que não pesa? A voz que reconhece, sem pedir desculpas, o tumulto que se move sob a pele? Pergunto ao céu, pergunto ao vento, pergunto ao ontem que deixou rastros de cicatriz. Mas a resposta parece vir num suspiro: apenas estou.

E então, quem sabe, nasça amanhã. Que a aurora venha vestida de promessa. Que floresçam nos meus ossos sementes de esperança. Que o mundo volte a ter cor, não por obrigação, mas porque a alma, enfim, permitiu-se abrir pétalas. Que a alegria pequena, aquela que se atreve a sorrir depois da tempestade, me alcance, me habite, me revolução.

Porque se o céu chorou por mim hoje, que eu possa chorar de volta: liberta, inteira, humana, respirando.

Desabar como se fosse arrancar cada gota de melancolia que eu mantinha cativa no silêncio. Já não adianta disfarçar o torpor do peito nem fingir que os risos mornos compensam o vazio no eco das horas. Cada passo era uma negociação entre o desejo de ser forte e a urgência de ceder ao pranto que escorria, invisível aos outros.

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