terça-feira, 2 de setembro de 2025

REAL

Hoje me perguntaram de você e eu menti.
Uma mentira doce, exótica — embora nada criativa, daquelas que escorregam pela língua como desculpa esfarrapada que já nasce velha.

Inventei uma ausência tão presente que quase deu para ouvir teus passos no corredor. Não revelei que o lugar que ocupamos é o único possível: o não coexistir.

Cansado de ser preterido, cansado dos ecos de tua voz em minha mente, cansado do desconforto de tantas lindas e doces lembranças te assassinei, com requintes de crueldades, no mesmo peito que você pediu para eu tocar.

Um território de silêncio mútuo, um condomínio fechado de vazios. Fui pego pela surpresa daquela conversa que não pedi no cardápio do destino. Na mesa, os queijos regrados ao molho pesto eram mais digeríveis que o travo da percepção de um amor narcisista. E se narcisistas amam, foi você quem ergueu no peito um altar em minha homenagem. Culto pagão, missa negra, oração invertida no espelho. Você ofertou minha vida em sacrifício da proteção de tua imagem - revelada em transparências apenas sob o efeito de procissão ditirâmbica. Que as Eríneas nos perdoe a ironia da vida: a pra sempre ficou nas coreografias de nunca ousar o entrava do primeiro passo.

Ainda bem que choveu. Pelas ruas de paralelepípedo escorreram minha culpa, lavando-me do peso da mentira, ou ao menos disfarçou em poça d’água a confusão que se criara em minha mente. Te reviver é cruel, repugnante, injusto. Te expor seria me expor, e eu já cansei desse strip-tease da alma. Te ressoar é um desprazer que não mereço. Eu não te guardo. Eu não te levo pra casa. Você depois de tantos almoços se fez sobra. Sobra um espaço em mim.
Ensaiar perdão é cobrar entrada para espetáculo vazio.
Te expor me regressa às dores finas, agulhas que bordam meu reflexo no espelho que sempre preferi embaçado. Assumo a escolha de me recusar te ver.

Você não roubou minha empatia — foi mais cruel:
sequestrou minha esperança.
O amanhã já não é promessa,
é apenas extensão burocrática do hoje.

Lamento por nós? Talvez.
Ou talvez apenas pela ironia de não sermos o que nunca poderíamos ter sido.

Despeço-me de ti, todas as madrugadas. Despedaço tuas lembranças, feito ritual de exorcismo pagão. E danço em volta da fogueira com a leveza de quem, mentindo, disse a maior das verdades: você se fez rei, mas nunca foi real.

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