domingo, 16 de novembro de 2025

UM DIA CHEGA

casa, aos domingos,
tem um rumor de abandono
e ninguém nota
só eu,
sentado no miolo do silêncio,
ouvindo o tempo escorrendo pelas paredes frias

a tristeza bate à porta, com sua velha intimidade,
mas hoje eu não abro
hoje não

se o amor não quer entrar,
que fique lá fora reclamando da vida,
que deixe suas queixas espalhadas pelo corredor
por onde não corre mais o rubro do sangue

nas minhas preces teimosas,
é teu nome que ainda me escorre da boca
é pecado suspirar o próprio peito?
é ingratidão reconhecer a verdade cruel
do eco vazio que me devolve perguntas
que eu não quero ouvir?
tampouco responder

passei o dia recolhido
no recôncavo do meu quarto em penumbra,
e juro
senti os deuses lamentarem por nós
nossa desumana arrogância 
sangra até a esperança dos deuses,
a minha jaz em paz 

choveu lá fora 
aqui dentro, minha terra continua seca,
escamada em erosão
não tenho lágrimas para hidratar meu silêncio
não importa se somos altivos,
ou melindrosamente carentes.
pouco importa se somos sexo,
flerte, fantasia, madrugada
somos desejos de um pas de deux
que nunca dançamos
acho que você já nem se lembra
do amor que prometeu ao vento ser meu
e, sinceramente,
será que sabes o que é amar
se nunca, nem por um instante,
olhou pra si com ternura?

somos anseios por danças quentes,
suspiros ao pé do ouvido,
madrugadas de quadris tímidos
e vontades que queimam
somos provocações de ficar
quando o mundo insiste em nos mandar ir
para nossa misericordiosa proteção 
mas andamos demais parados,
congelados na espera de uma mensagem
que não chega

somos segredos, nada secretos
somos sagrados, e o amar é profano
ele erra, ele ri, ele humilha
amar nunca foi se fortalecer 
é sempre se quebrar,
ruir,
voltar ao pó
para se reconstruir em dois
entrega
e tudo que se doa
por mais que doa
não se reivindica a volta
e de volta e meia você volta
sempre meia porção de você
o amar deveria ser encontros de inteiros
circulo em quebradas metades

eu tenho saudades de você
tenho falta da musicalidade de tua voz
música que embalava nossos beijos
do ideal de você que inventei,
coisa que todo carente faz
quando o peito insiste em ser palco
do que não existe

lutei contra mim,
tropecei nas minhas próprias ansiedades,
tudo na esperança vã
de ganhar o favor
de um único gesto teu, um olhar
migalhas que disputo com os pombos 
sempre sem paz 

e ainda assim,
hoje,
não estou para tua companhia, tristeza
a porta segue fechada
a casa silenciosa, apagada 
mas o peito,
ah, o peito ainda insiste em ranger

que clama por um dia o amor chegar

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