terça-feira, 16 de abril de 2013

Dispensei o bem e dormi com o mal

Entrei no meu quarto e fechei a porta. Abaixei a cortina e descortinei o meu mau humor. Posso me sentir. Posso me poder e permitir. Posso dar folga para as mentiras e colorir as minhas paredes dos tons que não muito me preocupo definir. Os deixo destonados, apagados ou mesmo vivos. Eu os deixo estar. Deixo deixando de lado e viro o outro lado da cama ao avesso. Este lado já está aquecido de meu frio. Preciso ser generoso com aquela que conforta o peso de sobrevivência e em minha ausência companhia faz para o pobre de meu amigo travesseiro. Estes juntos tramam as travessuras das quais eu os contarei pela madrugada. Eles me fazem sonhar para que os meus segredos possam ser sacralizados em seus pés de ouvido, ou cama. 
Por hora e outra, gosto de me sentir triste. Gosto de sentir o amargo deste chocolate que escurece o meu dia. É gostoso não saber que nem todas as cores são cores, nem todos os dias são amanhecer. É bom aprender apreciar as nuvens turvas e os aromas de enxofre. Bem-vindo, Satanás. Bem-vindo meus medos. 
Mas quando disse estas palavras, fui apedrejado por um mundo de ideias conservadores de bem e mal e disse eu mesmo para o meu bem: - De que mal lhe apetece a alma? Acalma-te, meu bem. E descubra meio, para que em outras metades te encontre plenitude.- Obviamente ele não se agradou destas tolas palavras e conjurou-me à condenação. O meu bem estava com raiva de mim?
Eu não tinha tempo para divergências tão pequenas. Tinha um encontro com uma parte nobre de mim. O meu mal. O meu medo. O meu diferente, novo. Mas o bem se esquecia que nem sempre era dia de bem dia. O bem nunca pisou em bostas de cachorros. Eu já me estrepei em várias delas. Quando criança até gostava de brincar com as titicas de galinha que enfeitavam o chão vermelho na casa de minha avó. Num destes prazeres escatológicos enfiei o dedo num plástico queimado recém pingado no chão, no pensamento de ser este uma gostosinha titiquinha e o resultado? Um marca no dedo médio direito que me acompanha já há quase trinta anos. Maldito anus de quem queimou aquele plástico perto de uma criança de quatro anos. Mandei o bem à merda. Com todo respeito e educação, como diria um certo amigo de um amigo meu. Digo certo amigo de amigo meu, porque nem todos os amigos de meus amigos são meus amigos ou eu quero que amigo sejam. Um homem com mais de três amigos é um homem sem amigo nenhum. Ou você agrada um ou desagrada o outro. Nesta hora o bem se levantou da cama feito louco. Educadamente o convidei a sair do quarto. Eu era apenas do mal agora. Eu e meu medo. E eu tive medo dele. Nunca o havia visto de frente. Como era semelhante a mim? Parecíamos gêmeos. Havia mais semelhança entre nós do que com o... O deixemos de fora.
Eu o mostrei minha coleção de cartões de telefone, mas ele sabia que a maioria destes eu havia comprado pra confeccionar minhas ligações telefônicas anônimas. O meu jeito louco de dizer sobre minha paixão às minhas paixões que me ocorreram, ou não ocorreram. Oco. Me senti oco.
As horas se passaram. Eu dormi. Acordei. Comi. E o medo estava ali. E o meu peito oco. As cores de minhas paredes opacas. A bagunça de minha mesa organizada. O meu tesão comportado. O meu pau mais pequeno que guarda-chuva de chocolates, aqueles de chocolates hidrogenados. Hidro. Eu precisava de um pouco de água, mas tive medo de sair. Precisei de mijar, mas tive medo de fazer muito barulho na água aposentada na privada e acordar o bem que dormia na sala. Tive medo. Tive pânico, Tive pavor. E então voltei a me sentir eu mesmo. O mesmo eu que eu desconhecia e que só o mal sabia quem sempre fora nós. 

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