Hoje a manhã acordou com anseio de amanhã. Como se os ponteiros do tempo estivessem embriagados pela pressa e pudessem pular a dor, adiantar a mágoa, silenciar o que ainda pulsa. Mas não pulam. Não silenciam. O hoje insiste em ser estilhaço do ontem, com a maturidade tardia que só a ferida aberta nos ensina a suportar.
O tempo não recua. As chuvas não se devolvem ao céu em forma de lágrimas. Um abraço quente não permanece onde a vaidade já cavou trincheiras. Sim, o amor é guerra. E amar talvez nosso último ato de revolução.
Hoje é um dia que não deixou de ser especial. E a memória insiste em peças pregar na narrativa do meu recordar. Rasteja em sua noite precoce como um cão ferido buscando o próprio rastro.
Um armandinho sorrateiro da lembrança me castiga com imagens sonoras que antes seriam ternura — hoje são afiados espelhos retrovisores. Caminho encontros e despedidas empregados nos pretérito-mais-que-perfeito. Todavia perfeito nada é.
Carrego no lombo teu corpo despojado de gentileza. Carrego tua infância eriçada, tua defesa armada, tua rispidez travestida de trauma da qual nunca experimentará a cura. Carrego tua voz encostada nas paredes da casa como mofo que não se deixa arrancar, como uma promessa que se apodreceu no tempo ou ainda a leveza de fitar teu corpo já cansado no banco grande e desconfortável da varanda.
E nas ruas, o silêncio. O silêncio do teu adeus nunca dito — apenas vivido. O silêncio que sempre foi a condição gentil.
Queria te desejar a morte em mim, mas na saga tortuosa pela indiferença, acabo te levando flores.
Flores mudas, flores vencidas. Pois fétido já está o requebrado da tua rigidez. E você ainda não percebe.
Meu peito hoje está lavado de esperança — como as escadarias do Bonfim, onde celebro um luto não autorizado. Despi-me de você sem mee despedir do âmago que eu criei.
Contemplo tua ausência como quem contempla um corpo desacordado de si, sem a intrepidez vivaz, enquanto se reza um reggae à meia-luz, entre velas e cinzas.
Feliz o homem que se permite, mesmo temendo, abrir o frasco de um amor guardado — não para ressuscitar, mas para finalmente enterrar os restos dos ossos do almoço insípido que preparei para o meu juízo.
Feliz aquele que aprende a despedir-se sem testemunhas, sem rito, sem culpa. Bem-aventurado o que não por mera aventura degusta o miocárdio quente que ainda pulsa teu nome, pelo simples apetite do possuir.
Feliz o outono, que em seus gravetos erguem guaritas de lucidez. Que a ti revele outra alma, não melhor, apenas menos cruel com os afetos que depositava na armadilha da defraudação. Afetos teu pra ti. Ah, se vc se rendesse de amor por ti. Quem sabe ainda haveria vida!
Feliz outono! Que em seus gravetos de guarita a verdade lhe traga um outro alguém que lhe toque o coração, sem rolá-lo numa mesa de bilhar, encapando em redes que pescam virilidade nesse amor que jaz como um losing game.
Eu, sigo.
Com a alma sangrando em silêncio e o peito limpo da esperança de retorno. E torno a dizer, sê feliz!
Não te espero mais. Não te desespero menos. Mas também não te expulso. Pode ficar, você faz parte. Te guardo e te felicito junho. Porque há dores que não viram cinzas — viram poesia.
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