terça-feira, 15 de novembro de 2011

Teu coração como prato principal

Depois de generosas doses de caipirinha ela começou a desafogar suas mágoas e revelar sua dor.
Era uma mulher jovem, aparentemente uns trinta anos, desculpe-me a indelicadeza de revelá-la a idade, mas penso ser importante saber quantas primaveras antecederam aquele inverno frio que a perturbava mesmo num verão escaldante num país tropical.
A tudo eu avistava da mesa ao lado. Parecia inquieta, sufocada por seus próprios cachos que cobriam-lhe o rosto meigo, branco, salpicado com algumas sardas, sensuais sardas de sol. À princípio pensei que se tratava de uma espera, um compromisso que por alguns constrangedor motivo se encontrava atrasado, muito atrasado, mas seu corpo comunicava ao longo do tempo que sofria por na verdade não esperar alguém.
Deus dó de ver moça tão linda no abandono de uns goles de bebidas, mas logo me lembrei da filosofia de minha irmã mais nova: tem muito pouco homem no mercado, e homem, homem de verdade é um produto em quase extinção. Confesso que um enorme sentimento de lhe ser um gentil cavalheiro me roubou o sossego por alguns minutos, ela era linda, porém quando um palma a bunda da cadeira levantei para em sua direção dirigir toda minha parcela de participação nos quase extintos machos existente. Meu deus, falo como se criado em cativeiro eu fosse, se bem, que foi assim que me sentir nos minutos antecedentes, um grande bicho-homem enclausurado em seu ser e medo. Mais uma vez minha irmã acertou: homem tem medo de mulher.
Mas ela não se deteve, e num rompante só de coragem depositou nos ouvidos do garçom todas as suas lamúrias e descontentamento. Fora traída, enganada e abandonada por disse ter dedicado o seu amor e escutado juras de eterna paixão. Num dado momento gritou em voz estridente preferir a morte à possibilidade de escrever os seus dias sem tal infinito amor. Resmungou: eu o amei muito que um dia pensei que poderia amar à mim.
Eu apenas pude ouvir, calado, indefeso, sentia sua aflição tanto quanto sofria com os dias de final de campeonato de futebol. Imaginava que realmente deveria ser a maior dor do mundo, como em final de campeonato não ter uma cerveja gelada na geladeira. Eu podia sentir seu descontentamento. Mas quem mandou amar?
Depois de passados três minutos do início do choro, juro que já comecei a me irritar. Por que mulheres choram tanto. Levam uma vida para se maquiarem, mas se destroem em segundos por tão pouco. Deveriam fazer valer a minha espera.
Bem, como um bom e exume garçom, ele ficou com ouvidos servidos pra tanto derramar de lágrimas. Ela foi se acalmando e logo pediu que a servisse algo para comer. Pediu o melhor da casa. Estava faminta, bêbada, realmente precisava se recuperar. Ele foi ligeiro, doce e categórico, a serviu o seu próprio coração como prato principal. Ela não entendeu a analogia e audácia de lhe servir uma iguaria de qual era dona. E se enfureceu com o mesmo pobre homem que a sustentou carinho e cordialidades.
Gritou enfurecidamente: Se eu quisesse comer o meu coração eu o assaria em casa e o engolia inteiro. Era uma mulher fora de si em meio a tantos choros e ranger de dentes, e prosseguiu o malgrado: Se tivesse pelo menos me servido os rins daquele maldito que a este coração destruiu... Tenho vergonha de todo este amor que o compartilhei sozinha. É bem, sabido que nesta hora houve mais choro, muito mais choros. Mas, gentilmente ele sorriu e poucas palavras soletrou: coma com prazer e sabor inigualável, senhora, e sinta-o pulsar inocente dentro você. Coma e tenha amor por ti.
Bem, eu? Neste momento eu... quase chorei, mas não chorei.

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