Ele chegou tão inesperado quanto chuva de verão. Entre um sorriso e outras distrações me encontrei em seus braços tão firmes quanto o impacto de sua bota que demarcava os compassos de meu sarandeio. Ele chegou firme, certo, seguro e inevitavelmente me apaixonei.
Se eu tivesse o dom de sentenciar todos os meus desejos, eu sangraria os dedos dos músicos nos violões e foles, eles tocariam pra o som da eternidade aquele mesma melodia que embalava a minha dança mais nobre das que dancei em vida e inspirava executar em morte. Eu me perdia em seus braços que aqueciam ao mesmo tempo que queimava em mim todos os medos de me entregar e ser feliz. Eu o ofertei o meu tesouro, o meu bem, a minha pureza e me maculei entre sangue e gozo de pertencer a si e ser sua por inteira. Ele se apaixonou por mim.
Os seus olhos negros se iluminavam de ver verde que refletia em sua pele escura a alegria de ser e pertencer à vida e morte. Eu não temia o passado tampouco ressentia o futuro, eu me sucumbia me minhas próprias vontades de ser jovem, mulher que ama e é amada. O homem que amei esculpiu em meu corpo os traços das histórias que eu escondia entre um dom e outro de falar poesias estruturadas de belas rimas e musicalidades de valsas. O homem que amei sepultou em mim as marcas dos constrangimentos de conhecer eu mesma o paladar de minhas intenções e insinuações. Ele me revelou à mim e eu me apaixonei pela imagem que via refletida em sua pele que se hidratava de um suor seco, forte, impregnador. Eu me via em suas marcas, em suas curvas em saliências, eu me reconhecia tímida em sua musculatura que escondia os alicerces de meus tesouros e mesquinharia. O homem que amei me revelou o amor por mim e me libertou para o amor, assim como borboleta que rompe o hímen do casulo e se perde nas cores da primavera. Ele pintou de cores novas o meu mundo outrora branco e rosa.
Como pode fantasiar a nossa mente tamanha hipocrisia em relação ao amor? Eu escrevia em meu diário relatos de expectativas e sonhos que se frustraram ao encontro do real e tangível sabor de seu beijo. O amor que me oferecia tinha o dom de desmitificar os paradigmas e calar as revoltas de meu peito. E nem todos compreendeu o nosso amor. Mas estaria nas concepções vizinhas o legitimar de minha paixão e entrega? Leviana ou não me embriaguei deste vinho que me oferecia juventude e perversidade dionisíaca. O homem que eu amei não tinha clima para apolíneos contornos, ele tinha por sacerdócio o ministério de ser revolução e minha vida desestruturou. O homem que amei e que me amou se diluiu entre o meu sangue que se recuperou da hemorragia de sucos de uva que adoçou as minhas palavras e queimando levemente pela garganta, aqueceu o meu coração e anestesiou a mente e intelecto. O homem que amei era tinto, seco e envelhecido. Era nobre!
"Não perca amanhã... o segundo capítulo de nossa série em conto: "O Homem que amei e não amou"
Nenhum comentário:
Postar um comentário