sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Noite Negra de Luz


No ventre de Maria, nasceu o som do tambor,
ecoando na escuridão, um prenúncio de amor.
O céu estrelado, um manto de ébano, brilhou,
como os olhos de um povo que sempre lutou.

Nos braços de Maria, negra como o barro da vida,
o Menino chegou, trazendo a alma rendida.
José, com mãos calejadas, ergueu o olhar,
viu na palha o Salvador, pronto para libertar.

Os Reis Magos vieram, passos firmes na areia,
da África, trouxeram ouro, mirra e a ceia.
Guiados por um cometa que cortava o breu,
testemunharam o brilho do Menino de Deus.

Em volta do estábulo, dançou a capoeira,
os anjos cantavam em roda, na noite inteira.
Ali, no quilombo celeste, nasceu a esperança,
um Cristo menino que herda a herança.

A pele negra de Maria refletia a história,
de um povo que resiste, que guarda a memória.
E no rosto do Menino, um sorriso surgiu,
prenúncio de um mundo que ainda há de vir.

Que o Natal seja sempre um nascer de verdade,
um convite à justiça, um grito por liberdade.
Que o Menino da palha nos ensine a amar,
a lutar, a viver, e a não mais calar

Vem, Jesus

caminho chorando, sozinho

quero tua direção

a rosa murchou, só há espinhos

no meu coração


contrito, quebrado, aflito

oh, vem me socorrer

pobre, necessitado de abrigo

de Tua graça vem me encher


vem, Jesus, toma o meu coração

seja luz onde mora o medo, dor e a escuridão

vem, Jesus, estou cansado de deter

me conduz onde mora a paz que excede todo o entender


procuro no mundo um amigo

inquilina é a solidão

cercado por risos 

e grito silencia respiração


recordo da fidelidade

promessas e o porvir 

vida, caminho e verdade

me rendo, me entrego a Ti


dias que eu não creio mais

tem dias que a força, Deus, se esvai

dias lutas, aflição

só penso em desistir


dias que eu nego você

tem dias que faço me esconder

dias que A graça invade-me

se prostro a me render

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Falta

Te recolhi nesse fim de dia como um íntimo diário que rumino meu silêncio. Sou cheio de ar e sufoco-me com as palavras não-ditas. Sou cheio de gritos e coreografo meus passos em melodias românticas que não se equalizam no left and right de meu headphone. Sou cheio de vazio intercalado por pas de deux com a inquilina solidão.
O cheiro da tinta tom castanho escuro se acasala com os tinos de minha mente. Uma explosão de desconexões tumultuam meu sentido. E nada sinto. Além do alumínio que esconde as primaveras que sangraram meus cabelos.
Eu mergulharia-me num copo qualquer de etílico barato. Melhor, mergulharia-me numa bela taça de cristal onde despejaria o rio que hidrataria o silêncio que me permitiria debruçar. Eu gargalharia pra mim. Contrariando o plot da vida medíocre que sucumbi.
No cheiro perpetuado no travesseiro recordo as lágrimas que mancharam meu rosto, inundando meus poros de salina das doçuras que rejeitaste. Nesse momento recordo-me que há meses não troco a fronha e o lençol da cama. Faz calor, o ventilador ventila cinturas caribenhas, eu me cubro transpirando sob o edredom cinza e a manta vinho. Uma taça de vinho eu beberia para alimentar em mim a esperança que no celular subscreveria na tela tuas lembranças de mim. Um.mensagem qualquer.
Outra vez sigo a falar de saudades. Outra vez sigo o rumo de esperar te ver.
Tenho dores no coração que apertam o fluxo do peito e seus músculos bombeiam pequenas explosões de medo tingidas por risos. Tão negros como o tom castanho escuro que me esconde nos calos que tatuei na esperança de te ver.
Outra vez volto falar de ti. Um círculo vicioso de espera e querer. Tenho piedade de minha falta de respeito próprio. A propósito, falta é a única presença aqui.
Outra vez eu sigo no fluxo de não fluir naturalmente e com violento comparecimento e recolho as veracidade. Os meus olhos não mentem. Eles não. Eles revelam o cômodo onde em casa velo teu corpo franzino, alvo e intrigantemente sedutor. Os meus olhos se vêem em ti e no cemitério de minha cabeça espero te descansar a ternura.
Caro diário, por hoje é só. Afinal, sou só.

Saudades


saudade é nó que aperta
um eco no peito a soar
presença que nunca parte
ausência a sempre ficar

saudade é você no peito
distância morando entre nós
teu cheiro no silêncio que deito
lembrança de rompidos nós

saudade é o passado
presenteando o esperar



sexta-feira, 22 de novembro de 2024

As marés da vida


Na periferia de uma cidade interiorana nos anos 80, Dalcy e Rubens, dois meninos de mundos opostos, descobrem que as barreiras impostas pela sociedade podem ser vencidas por um laço genuíno e resiliente. Dalcy, negro e filho de uma empregada doméstica, cresce em um ambiente onde a escassez e a dureza da vida são companheiras constantes. Inteligente e curioso, ele encontra na imaginação e nas brincadeiras sua forma de escapar das limitações impostas por sua realidade. Rubens, por outro lado, é o primogênito de uma família rica, habituado ao conforto e às oportunidades. Apesar das diferenças, os dois criam uma amizade sólida, marcada por aventuras e momentos que moldam suas vidas.

Os dois se esbarram pela primeira vez aos cinco anos de idade num desfile cívico evento tradicional da pequena cidade, onde o cap característico de uma escola onde Rubens cai entre a multidão e Dalcy encontra admirado, sendo grosseiramente exigida a devolução por quem se tornará seu grande amigo da vida.

Na infância, a casa de Dalcy era simples, mas cheia de afeto. A mãe, mesmo sobrecarregada pelo trabalho, cultivava no filho valores que iam além da materialidade. Rubens, frequentemente levado pela mãe para atividades sociais, encontrava nos momentos com Dalcy a liberdade de ser apenas um garoto. Certa vez, após uma viagem ao litoral, Rubens trouxe para o amigo uma concha e uma garrafa de água do mar. E disse:

- O mar é como se todo mundo que está nele tivesse mijado na água. -  Palavras estas que despertaram repulsa em Dalcy, mas Rubens também comentou - O mar é como um choro de alegria. A água é salgada feito lágrimas em dias de felicidade. Igual quando você toma leite queimado com biscoitos de nata lá em casa e fica como se tivesse comendo um manjar. - Explicou, tentando traduzir em palavras o que Dalcy ainda não havia experimentado. Esse gesto singelo não apenas fortaleceu a amizade entre eles, mas também plantou no coração de Dalcy o desejo de um dia ver o mar com os próprios olhos, embora ele nunca esse desejo assuma.

Com a adolescência, os caminhos começaram a divergir. Rubens partiu para a capital, onde começou a estudar medicina, enquanto Dalcy permaneceu na cidade natal, trabalhando em uma loja de materiais de construção de um velho turco muito exigente e arrogante. O emprego, embora simples, foi uma oportunidade inesperada de acesso à cultura. Os jornais velhos usados para embalar mercadorias tornaram-se suas primeiras leituras, despertando nele uma paixão por poesia e escrita. Enquanto Rubens vivia a agitação da cidade grande, mulheres, festas, bebidas, Dalcy se dedicava ao trabalho e ao cuidado da mãe, cuja saúde começou a se deteriorar.

A morte da mãe de Dalcy foi um marco doloroso. Mesmo doente, ela continuava trabalhando, e sua partida precoce ocorreu durante uma festa na casa dos patrões, onde essa trabalhava num dia extra na esperança de comprar sapatos novos para o filho. Essa perda reforçou o senso de responsabilidade de Dalcy, que passou a canalizar sua energia na construção de um futuro melhor. Ele acabou herdando a loja onde trabalhava, transformando-a em um negócio próspero, mas seu coração permaneceu reservado, marcado pelas cicatrizes da solidão e das oportunidades perdidas.

Rubens, por sua vez, construiu uma família na capital e frequentemente tentava reaproximar o amigo. Convidou-o para seu casamento, insistiu para que visitasse a cidade, mas Dalcy recusava. A vida o ensinara a não sonhar além do que podia alcançar, e, embora quisesse ver o mar, sempre encontrava razões para adiar o momento. Mesmo assim, a amizade entre eles nunca esmoreceu. Quando Rubens batizou seu primeiro filho, escolheu Dalcy como padrinho. O gesto causou estranheza entre os parentes do médico, em especial da família da gentil esposa, mas reforçou a profunda conexão entre os dois.

Com o passar dos anos, Dalcy tornou-se uma figura de referência em sua comunidade, não apenas pelo sucesso nos negócios, mas também pela generosidade e sabedoria. Ele sempre carregava consigo a concha presenteada por Rubens na infância, um símbolo de memórias felizes e da amizade que resistiu ao tempo. Porém, um dia, a concha se quebrou, marcando simbolicamente a morte do amigo. Rubens, já envelhecido, faleceu na capital. O telefone da loja de Dalcy tocou por várias vezes, mas esse proibia a secretária e atender e também não o fez por longas tentativas da pessoa do outro lado da linha. Era o afilhado querendo anunciar a partida do pai. Com este Dalcy insistiu para que o amigo fosse enterrado na cidade natal, ao lado da família. O que lhe foi atendido depois de muita insistência para que pudesse ele arcar com o translado e sepultamento do amigo-irmão.

Na velhice, Dalcy mantinha o espírito genioso, mas suas memórias estavam sempre vivas. Ele nunca se casou, carregando consigo as marcas de um amor que a sociedade racista lhe negou na juventude. Ainda assim, encontrou na relação com os filhos e netos de Rubens um conforto inesperado. O momento de maior emoção veio quando, já idoso, Dalcy finalmente viu o mar, levado pelo afilhado e seus filhos gêmeos, ainda crianças. Sentado na praia, com um caderno de anotações e a caneta que ganhara do afilhado, ele revivia em pensamentos as aventuras com Rubens.

Dalcy não apenas encontrou o mar, mas também um fechamento simbólico para sua jornada, revelando a força de sua amizade com Rubens, perpetuada pelas gerações seguintes. Compôs uma poesia, e acabou cochilando, sonhando assim com o amigo, que com um violão tocava e cantavam as músicas compostas. Ao ver o padrinho quieto e cabisbaixo o afilhado se desespera, pensando que o mesmo também havia partido. Dalcy desperta com o largo sorriso, sorriso tal que poucas vezes esboçou, se não para esse mesmo amado afilhado desde a infância. Enquanto isso um dos filhos do afilhado o traz uma nova concha, simbolizando a continuidade e a renovação do ciclo de amor e memória.


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Atlântico

no sabor amargo da dor

descobri o caminho de volta

às origens do meu real valor

a verdade que o peito revolta

 

no veneno adoçado nos lábios

sucumbi ao que o branco contou

nevoeiro em pensamentos sábios

do meu povo, agora escuto o clamor

 

capturados feito peça

de valor e desvalorizado

acorrentados feito fera

todo ardor amordaçado

 

nos porões ecoa o frio

no odor calado o cântico

grandes reinos por um fio

desposado no Atlântico

 

mas no ventre da mãe terra

cresce a força que não cala

a herança da luta que aterra

no grito negro a alma exala

 

o grão semeado na dor

floresce com força e cor

aflora a raiz da ancestralidade

desperta na liberdade a verdade

 

sou filho do sol e da noite estrelada

a minha pele, a história contada

na chama que queima não apaga

o negro ressurge e nada nas águas

 

não sou sombra nem eco distante

sou o futuro, presente vibrante

na dança do tempo, minha revolução

o império negro renasce a nação

Vai ficar tudo bem

 sem pedi perdão 

você pode ir

viver nunca é em vão 

sempre é construir


mesmo se desconstrói 

as amarras que doem

as lembranças que corroem 

puras projeções que criei


te fiz em mim herói 

ponte Rio x Niterói 

mas saudade dói 

duras injeções que me dei


recolhendo meus cacos

costurando meus retalhos 

me refiz por inteiro

o que ofertei não foi pedaço 

coração eu pus no prato

alimentei teu fevereiro


estou cheio da falta

de presença de ausência 

de carinhos que assaltam

corredores de carência 


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Águas

nas águas do Paraíba 

quero lavar-me de todos os males

bebendo de tua saliva

na tua boca encontrar teus mares


palavras doces encontram no teu sorriso salgados lares

tuas ondas temperam a dança do meu caminho rumo teus ares


eu quero te desbravar com meu carinho

vou em ti desaguar, fazer meu ninho


em ti eu vou

nadando em ti eu vou

nadar em tudo

é tudo no nada


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Sapiens

 somos

monstro sapiens

lidamos uns com os outros

como se fôssemos 

meros seres descartáveis 

nunca recicláveis 

à mercê do egóico

sentido do satisfazer

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Casa

 e me convidou a adentrar

sua casa humilde

revelando cada detalhe

de uma decoração confusa


revelou-me secretos suspiros

engalfinhados nas paredes 

manchadas por secreções juvenis


receoso se desnudou pra mim 

revelando sua alma

aquecidas apenas pelas velas

que velavam os defuntos

das paixões que não soube sepultar

e no teto desenhava o negro sabor da partida 






sábado, 9 de novembro de 2024

Pedestal

 acordei de um sonho bom

te fitei, te guardei no som 

de sussurrar romântico 

entre nós só há Atlântico 


inventei para nós histórias

costurei no dizer memórias

de gargalhar constante

todo eterno foi só o instante


no altar do peito te devotei

todo olhar, teu jeito, eu decorei 

no altar do peito te servi

o coração, menino, eu perdi


teu abraço é edredom 

tuas falas afinado tom

meu corpo teu pedestal

quebrado, vazio, caiado e cal


e de repente eu deixei de existir

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Solto

 o passado 

está pesado demais

mais gostoso

é o gosto da maçã 

que amassamos no beijo


vem pro presente

e de presente 

te dou um futuro

cansei de ser duro comigo

me leve solto

e me solto leve, amigo

Dois sóis

 a gente se ama

só não transa mais

a gente já não faz amor

mas do amor fomos feitos


assim desse jeito

assim nos dizendo sim

acolhendo-nos no peito

pra gente há feliz

nunca fim


deita ali no quarto ao lado

a cama já pequena está pra dois

nós dois que fizemos duas pequenas

removamos os lençóis 

e nossos sóis serão o pra sempre


nunca foi de repente

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Ameixa

 já é verão no Arpoador

desse sol que mora em teus olhos

me prova o sabor

ali a água é salgada

doce são os sucos de meus molhos


você é calor inteiro 

de janeiro ao rio

tô com sede

me beija

me tinjo no sol

sou tua ameixa 

não finjo por mal

deixa isso pra lá 

foi a deixa, me beija


é que nasci no rio

mas sou do amar

elo, contato, encontro

não aprendi ser fio solto

sou trama emocionada de querer 


e hoje tem espaço pra você 

No encaixo do subverter 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

a cá

a cá o amor

amortece

a morte

a morte ser

tecer-te 

o mundo

fundo, profundo 

em pró 

duto dura muito o segundo

fecundo com você 

oriundo ser

que acaba

a cá

rápido

sábado, 2 de novembro de 2024

Um homem que amei

 eu te guardaria nas nuvens

lá não há pensamentos

te conjugaria nos vens

de onde nascem os ventos


eu te namoraria no silêncio 

onde os olhos calam segredos

e nossos corpos tensos

nos acendem e falam em dedos


eu depilaria teu corpo 

e nu te inscreveria o desejo

assim de um jeito ríspido, louco

eu te deixo, sem deixar


seja na Lapa

ou no reservado das giras

eu em ti oferenda

você em minha boca 

tecendo rendas


às vezes você vira poeta

eu coleciono em ti rimas

para que o Rio aberta

pro Cristo

nos aproxima a cisma

Degustação

 eu chupando tua língua feito romã 

misturando saliva e o tom do hortelã 

brindando o raiar da quente manhã 

a gente sem manha

destrinchando-nos feito poncã