sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A mulata da casa 345

Ela era bela e cinza
Os seus olhos eram cores em que desfilavam o bisturi
A sua morte fora celebrada como conquista de virgindade
A sua partida a anunciação de respostas outrora ministradas
Os homens exultavam a liberdade
Embora com o saudosismo do gosto de seu suor
Ah, era esse líquido que temperava o conservar de suas poucas alegrias
Era contrária às muitas mulheres que desconheciam o poder ser mulher
Nas curvas de teu corpo havia pecado
Nas trilhas dos lábios espermas de paixão 
E em suas paixões pequenas mortes
Calaram a voz da mulata da casa 345
Suspenderam os gritos que acordariam os galos
Alvejaram as manchas amareladas de seu colchão 
Assassinaram o bolero dos olhos
A escrita rupestre das unhas
O braile na pele
Assassinaram o incêndio das virgens
Mas era eterno o amor
E entre pelo, pele e poro das mulheres e homens que a conheceram
Estava registrado o seu epitáfio:
Eu sou o demônio, o capiroto, satanás 
Não tenho a alegria de dezembro
Sou fevereiro
Carne, sangue, sexo, gozo
Eu sou as lágrimas das bucetas e paus
Os rios que irrigam o prazer
E despe violentamente a pureza
Destrinchado a poeira de suas negações 
Eu sou o bem no mal
Sou o negado, escondido
Sou a jura
Sou tudo o que fui
Sou tudo o que deixei de ser
De amar
Querer
Viver
Sou a escolha não feita
Sou parte de mim
A parte que te afronta e amedronta
Sou espelho
Sou como todos
Sou o não sou
Sou a possessão de teu corpo
Os lábios molhados
A língua captura pelo dente
Sou terremotos em polo norte
Sou maremotos em polo sul
Sou a fraqueza das pernas
O arrepio, o espasmo, o suspiro
Sou eu quem te empresta a gargalhada
E não presta em choros
O infinito que habita o teu corpo e ama, decifra, tenta
Sou o teu nome
A revelação do mundo como primeira vez
Sou o que ficará 
Sou riso
Confundida como amor
Sou paixão 


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