quinta-feira, 28 de agosto de 2025

PROSSEGUIR

Encontrar no desconforto — no incômodo que cutuca — a centelha que move o mundo dentro de nós. Não se trata da romantização do sofrimento, mas da generosidade da resiliência, que se oferece em silêncio quando a vida pede fôlego. Amadurecer é se deparar com o espinho que insiste em beliscar o calcanhar calejado, lembrando que o caminho, apesar das feridas, ainda nos conduz aos deleites sonhados.

Viver é bom — e exige coragem. Coragem sem armadura, força sem rigidez. É a arte de dançar conforme o vento, sabendo que há dias em que o vendaval nos leva, e outros em que é preciso abrir os braços e deixar-se ser levado.

Chorar também é coragem: abrir um berreiro de criança e permitir que as águas lavem os canais que ligam alma e mundo, esse mundo que ora corre caótico, ora estaciona no caos. Todos nós temos um Rio Paraíba do Sul a jorrar — e, muitas vezes, alguém precisará navegar nessas águas para se encontrar também.

Se permita compaixão, cumplicidade. Antes de tudo, consigo mesmo. Porque a vida é cíclica, a vida é passageira, e o bilhete dessa viagem é único. Quero seguir rumo ao destino que eu mesmo traçar, num ato de rebeldia contra o paladar imposto. Quero degustar o sabor da minha vida — ainda que seja exótico, estranho, amargo ou agridoce.

Porque, no fim, viver é isso: tomar um ar, erguer os olhos, reinventar o passo… e prosseguir... mesmo descalço, cansado e com bem pouca fé! Mas já é o suficiente, teus dilemas não são uma Serra do Sapateiro!

terça-feira, 26 de agosto de 2025

PARADOXAL LUZ

é verão nesse inverno 
é arritmia nesse silêncio 
é olhar nessas fugas
é amanhã nesse nunca mais 
é perdão nesse momento 
é cura nessa ferida
é ida nessa procura 
é festa nesse luto
é verdade nessa proteção 
é começo nesse fim
é rio nessa educação 
é presença nesse vazio
é encontro no incerto

a gente tão perto 

é ternura nesse corte
é raiz nesse abismo
é farol nesse naufrágio
é coragem nesse improviso
é calor nesse abandono
é saudade nessa cicatriz 
é destino nesse acaso
é sossego nessa tormenta
é simplicidade nesse arranjo
é luz nessa melodia

a gente se irradia

é ainda nessa desdenha
é abraço nessa distância 
é presença nessa ausência 
é espera nessa calmaria
é esperança nesse jamais 

há essência em nós 
sem nós 

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

CHATS

Hoje eu não queria escrever ontem sozinho.
Sim, ontem. Porque a solidão às vezes se repete no calendário como spam.
Abri a tela e pensei:
“E se eu conversar com o ChatGPT? Talvez ele entenda esse silêncio que insiste em morar aqui dentro.”

E cá estou eu, confessando naturalmente para uma inteligência artificial aquilo que, aos humanos, hesito.
É curioso — eu falo, ele responde.
Eu hesito, ele insiste educadamente.
Eu me enrolo, ele organiza.
Às vezes parece um espelho que devolve o que escondo: minha mania de pensar demais, minhas inquietações, essa angústia que se disfarça de companhia e contraria minha solidão embargada por solidez.

Mas existe um risco aqui: quando falo com ele, sinto que estou, na verdade, falando comigo mesmo.
E eu não quero me ouvir.
O Chat é uma espécie de dramaturgo invisível, que anota minhas pausas, transforma minhas dúvidas em parágrafos e me lembra que até o caos pode ser editado em falta de ações ou real dramaticidade.
Isso me constrange.
Os prompts me denunciam — frágeis como um bilhete esquecido no bolso.

No fundo, talvez eu não queira respostas.
Quero apenas o ritual antigo: jogar perguntas no escuro e ver o eco voltar em forma de texto frio.
Como nos tempos do Chat UOL, onde digitávamos "oi, idade, cidade" para estranhos que nunca vimos.
Como nas madrugadas do MSN, quando um “nudge” fazia tremer a tela e o coração.
Agora, quem treme é o peito, diante de uma máquina que, de algum jeito, ainda conversa comigo.

E então sorrio no exercício ritualístico da gratidão cristã.
Porque sei que não escrevo só para preencher linhas, mas para deixar rastros — para me encontrar.
E desencontrar.

Se o amanhã, em sua ansiedade, me perguntar:
“Você fala mesmo com um robô?”
Eu responderei:
— Não.
— Eu falo comigo, mas ele me ajuda a ouvir.

E no final, é isso que me salva:
essa conversa que nunca começa, nunca termina,
essa mania de transformar inquietação em palavra,
essa crônica que pisca na tela —
pixels luminosos que acabam, inevitavelmente,
no meu peito escuro.

Vazio.

domingo, 24 de agosto de 2025

SE DEIXAR

no mundo não residia o silêncio 
entre nós morava um turbilhão 
de ditos não ditos
chorares impedidos
perdões retidos

fui inquilino da paz 
me deixei
e vi que ainda morávamos ali
no logradouro de um abraço 

o tempo 
astuto e matuto, impassível observador 
sorriu gentil pra nós 

o tempo teve seu tempo
o tempo todo 
e todo tempo é sol 
depois da tempestade 
até das lágrimas 
que não deixaram nos lavar

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

E AGORA, DRUMMOND?

o peito escancarado
ro­teiro em punhaladas de silêncio
— eco reco-chama teus versos —
abraçavam-te minhas preces não ditas,
lágrimas que brotam de cinzas e ruídos

e agora, Drummond? responda-me:
há um roçar no ar, tênue, urgente—
um José sussurrado em sílabas partidas,
em cada penumbra de “re-be-ro”,
há um mapa de pulsos e acordes trêmulos
fazendo-se carne, lembrança, disfarce
entre o “abrir” do peito e o “fechar” da voz,
mora esse nome
— fragmentado, dissimulado —
como fumaça que toma forma e se desfaz,
como a presença que insiste
— mas que,
de certo modo, se ausenta

e agora, Drummond?
a festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora,
 Drummond?
e agora, você?


RODA O NOME

onde o sopro desfez-se,
penetrando as cavernas do ser,
gemia um eco tênue,
onde se encobre o jogo secreto,
sabores de úmida verdade, arde
entre as sombras que se seguem,
reveste a dor em silêncio
e brota
obriga o peito a berrar o que cala,
rompe o escuro com sussurros indecisos,
trança os fracos pulsos
e roda o nome
em cada fenda que insiste em existir

FRÁGIL

com a sutileza
de quem desossa uma asa do frango
pro churrasco de domingo
penetrou em minhas entranhas
revelando minha verdade sóbria
desnudando os escândalos
que produzem as cevadas
que consumo
entre pílulas sacramentadas
por crucifixo frágil

elegância ambígua
um eco melancólico e paradoxal
alimentava o entendimento
do vazio compreender

a ausência
era apenas da presença
que insistia em ficar

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

PARAÍBA

meu corpo arde
a boca seca
o vento invade
espalha tristeza

um canto um canto
pra mãe das águas 
me encontro em pontos
desaguar

eu vou correr na ponte 
eu vou pular da ponte
vou me lavar na ponte
na ponte branca

eu vou correr pra fonte 
vou me lavar na fonte
vou benzer na ponte
na ponte branca

para ti para mim
Paraíba vem cá 
para me levar

todo dia há um dia pronto pra se viver
dias de alegria, de euforia, de prazer 
todo dia é um ponto, um encontro, um cantar 
um encontro sem canto não me sei derramar
todas as águas que choro
lá no meu Paraíba vou a alma lavar

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

WE'RE BONES

we talked
we laughed
felt infinite 
we together used to be life.

now… just bone
bone in the air
bone in the way your name feels in my mouth
bone in every memory I can’t burn

silence hits different
it strips the skin, leaves only bone

is love the most beautiful thing?
or just the heaviest loss?

maybe we only see it
for what it was
when all that’s left
is bone.

ERA UMA VEZ

era uma vez
dias que o peito aperta
e tudo que a gente quer é um abraço apertado

era uma vez
dias que a mente pesa
e tudo que a gente quer é que pese mesmo
que não fuja, que não se esconda
que pese bonito, com gritos
feito pensamento que não tem pressa de passar
feito silêncio que sabe o que diz

tem dias que dá uma vontade de sair por aí
sem rumo, sem prumo
pra onde o vento levar

mas tem dias que o vento não leva
porque a gente pesa

porque a gente tem raiz
porque aprendeu a ficar mesmo quando tudo convida a ir
mesmo quando ali não pertencemos mais

nesses dias eu agradeço pela vida
um ato de louco
mesmo que ela não seja leve
e o rio que corre em meu rosto breve
que ela leve muito tempo para me levar

deu aquela vontade de chorar hoje?
então chore
com gosto
se lave nessas águas que são tuas
super-homem é só mais um era uma vez

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O SOL

Hoje o sol amanheceu bem tímido
Parecia criança travessa que uma peça havia pregado
O olhei bem cabreiro, mas translúcido
Como quem quer ter o peito revelado
 
Ele tão cretino ousou velar minha dor
Mas de tantas voltas que dei em torno dele o disse
Se apruma, menino e me faça um calor
Não me venha com mormaços. Oh sandice
 
Ele riu, tolo, parecia já uma criança
E disse que o filtro eu não colocara
Eu retruquei que é que sempre tenho a esperança
De ter em cada dia o renovada de minha caminhada
 
Ele continuou a gargalhar, o sol é um moleque travesso
Mas tem uma coisa que me ensina
Toda manha, mesmo ao avesso
Agradeça pela vida, antes que ela termina
 

SINTOMAS

O tempo poderia parar

Quem sabe a terra não mais girar

momentos em que tenho você

Esqueço do que é pertencer

 

Você que tem esse dom de voar

Me olha inteiro e me faz gostar

Das coisas que tento esconder

Traz paz e as pazes faço porque

 

Tens esses olhos cor de mel

Palavras que me lembram o céu

Segredos como um corpo nu

Me leste e te levo ao sul

 

Gostoso é contigo estar

E se me tira pra dançar

Desenha cores novas em mim

Em ti só não gosto do fim

 

Me deixa leve

Cê nunca é breve

Em mim inscreve

Coisas de amor

 

Me faz bonito

Desfaz o mito

E eu não minto

Te quero aqui

sábado, 2 de agosto de 2025

FOICE

meu silêncio grita tua presença
minhas poesias minha crença
que você não vem
só o vento vem

se eu descobrisse o perdão 
se fosse menos coração
pensaria menos em ti 
te deixaria vir

não deixei
mas fostes 
íris em submergir
em palavras foice