quinta-feira, 3 de abril de 2025

OLHOS

como regular inquilina
ela residia em meus olhos
resistia ao sol, resistia às brisas
se hidratava nas chuvas
se alimentava de meus silêncios

como devota amante 
ela satisfazia-me dos embargos
me orquestrava em espasmos efêmeros
mentia pra mim e me revelava verdades
se acalentava de meus pensamentos 

hoje a lágrima me abandonou 
e num choro atropelado por suspiros
lavou-me de mim

terça-feira, 1 de abril de 2025

COR

eu corro
para dar corda
ao eu
que sempre acorda
para desacordar
as cordas 
que de cor
decoro 
no decoro da paz

eu corro
e me ponho cor, rapaz

sexta-feira, 28 de março de 2025

MOMENTS

como ser inteiro
se, em partes, me falta 
a parte de você?

como ser leve
sem a leveza que me leva
você ao chegar?

como ser sorriso
se a graça é tua graça 
presente em cada cantar?

will I see you 
in the morning?

without you
is everything boring?


quarta-feira, 26 de março de 2025

VERDE

e o amor me curou
feito chuva repentina que acaricia as folhas
me lavando das mentiras 
dos falsos amores
reatando as partidas
revelando o céu 

o amor me pegou
me desatou os nós 
me coloriu de vida
me afinou a voz
e cantei pra mim
aquecendo o sol

o amar deve ser verde
e de esperança corar a paz

terça-feira, 25 de março de 2025

LA PETITE MORT

"Não sou o último romântico, mas faço questão de ser o primeiro a ecoar as rimas dos poetas que conclamam o amor. 
Somos cínicos e melindrosos quando a pauta é a exposição de nós. Caminhamos receosos no ruído inicial de uma entrega e nos reservamos calados em nossos medos.
Nunca houve uma sociedade onde ser forte fosse tão propagado, exigido e cultuado. Efêmeras projeções de perfeição. Proclamamos a independência de nossos sentidos e nada sentimos. Somos sequenciais ressentimentos sem cura."
Essas eram as palavras que ecoavam em sua mente vasta enquanto Lulu Santos cantava "O último romântico", logo após as poesias de Cazuza. E isso não houvera sido combinado. Mas uma vez a vida se divertia rindo das peripécias que pregava para o coroar tolo da corte que o cortava friamente o sorriso da calma.
A casa, como de costume, seguia vazia. No sofá cor-de-alguma-pele repousava o seu corpo cansado de nada fazer e refeito de todas as sensações que inspirara gozar. La petite mort o sepultou sozinho, refém de sua mão.
Seus movimentos eram arcaicos, frígidos, doloridos. Sua voz, desculpa para um abraço. Seu olhar, reclamações de um cuidado que esperava receber na cumplicidade de ser acolhido ou, de fato, amado.
Nas paredes da sala pequena rasuras de promessas não cumpridas confundiam a esperança de que o minuto passado poderia reviver e cada frustração ser projeções únicas de seus medos.
Não se enganem, nessa vida o que te cabe é a responsabilidade de si, mas você nunca será pureza de quem é. O mundo vai mentir pra ti e de ti tirar a castidade do suspirar.
Ele soluçou vivaz. Seguiu-se desmontando num suspiro seco. Em sua face o que ficou foi a poeira da exposição de si. E Lulu nem cantava mais.
Cada um sabe da dor de si. Cada um procura a metade que perdeu ou o quarto que lhe restou feito o inquilino educado, doce e discreto. Ao outro o que cabe é o ferir.
O que é o homem senão o dom de iludir?
Ou o que é a ilusão senão uma puta que em pequenas mortes nos vela a cura?