Hoje acordei, embora ainda nem.dormi, pensando em por onde se vai o conforto. No silêncio suave que pairava entre nós, nos gestos espaçados, nas palavras que pareciam aguardarem permissão para existir. Há um cansaço nesse silêncio, uma espera que talvez nunca termine, nem se canse, um desejo de reencontrar aquilo que se perdeu, ou que não deixamos permanecer.
Lembro quando o toque era resposta imediata, sob composição de Bach, quando os olhos falavam antes da boca. O riso era ponte. Agora há entre nós só uma vaga paisagem rupestre, sugestões de noites partilhadas, memórias de risos apagados aos poucos pelas rotinas comuns. A vida nos exigiu pressa, nos ensinou a olhar para frente e quase nunca para dentro.
Vejo nas tuas mãos, às vezes, a vontade de erguer algo que pesou demais. Vejo essa vontade se contorcer, se calar. E penso se ainda moram em ti as palavras que um dia me chamavam, se ainda existe o peso suave que me fazia notar os detalhes de tua respiração. Talvez tudo isso esteja escondido, sob camadas de desculpas, de dias iguais.
Não houve traição explícita, não houve abandono flagrante. Houve o lento deslocar de olhares, o esquecer de perguntar “como estás?”, o desistir de esperar que o outro viesse primeiro. Houve o suave naufrágio do carinho, dentro da quietude do costume, onde o afeto vira protocolo.