sexta-feira, 28 de março de 2025

MOMENTS

como ser inteiro
se, em partes, me falta 
a parte de você?

como ser leve
sem a leveza que me leva
você ao chegar?

como ser sorriso
se a graça é tua graça 
presente em cada cantar?

will I see you 
in the morning?

without you
is everything boring?


quarta-feira, 26 de março de 2025

VERDE

e o amor me curou
feito chuva repentina que acaricia as folhas
me lavando das mentiras 
dos falsos amores
reatando as partidas
revelando o céu 

o amor me pegou
me desatou os nós 
me coloriu de vida
me afinou a voz
e cantei pra mim
aquecendo o sol

o amar deve ser verde
e de esperança corar a paz

terça-feira, 25 de março de 2025

LA PETITE MORT

"Não sou o último romântico, mas faço questão de ser o primeiro a ecoar as rimas dos poetas que conclamam o amor. 
Somos cínicos e melindrosos quando a pauta é a exposição de nós. Caminhamos receosos no ruído inicial de uma entrega e nos reservamos calados em nossos medos.
Nunca houve uma sociedade onde ser forte fosse tão propagado, exigido e cultuado. Efêmeras projeções de perfeição. Proclamamos a independência de nossos sentidos e nada sentimos. Somos sequenciais ressentimentos sem cura."
Essas eram as palavras que ecoavam em sua mente vasta enquanto Lulu Santos cantava "O último romântico", logo após as poesias de Cazuza. E isso não houvera sido combinado. Mas uma vez a vida se divertia rindo das peripécias que pregava para o coroar tolo da corte que o cortava friamente o sorriso da calma.
A casa, como de costume, seguia vazia. No sofá cor-de-alguma-pele repousava o seu corpo cansado de nada fazer e refeito de todas as sensações que inspirara gozar. La petite mort o sepultou sozinho, refém de sua mão.
Seus movimentos eram arcaicos, frígidos, doloridos. Sua voz, desculpa para um abraço. Seu olhar, reclamações de um cuidado que esperava receber na cumplicidade de ser acolhido ou, de fato, amado.
Nas paredes da sala pequena rasuras de promessas não cumpridas confundiam a esperança de que o minuto passado poderia reviver e cada frustração ser projeções únicas de seus medos.
Não se enganem, nessa vida o que te cabe é a responsabilidade de si, mas você nunca será pureza de quem é. O mundo vai mentir pra ti e de ti tirar a castidade do suspirar.
Ele soluçou vivaz. Seguiu-se desmontando num suspiro seco. Em sua face o que ficou foi a poeira da exposição de si. E Lulu nem cantava mais.
Cada um sabe da dor de si. Cada um procura a metade que perdeu ou o quarto que lhe restou feito o inquilino educado, doce e discreto. Ao outro o que cabe é o ferir.
O que é o homem senão o dom de iludir?
Ou o que é a ilusão senão uma puta que em pequenas mortes nos vela a cura?


DIAS CINZAS

E ficou por vários minutos parado na janela observando o movimento lento das pessoas que transitavam na rua. Sua vista privilegiada se estabelecia feito um mirante de observação fria de um sentinela. Não esboçava o que residia em sua mente. De seu olhar só se via o investimento da atenção. No mais, era uma ímpar neutralidade, estático movimento, frieza ríspida.
Dia cinza, por horas lavados pelas lágrimas do sol impedido pelas nuvens densas de sair. Os operários ainda trabalhavam disciplinados na obra da iluminação da quadra. Mas no bairro o que morava era a escuridão naquela quarta-feira. Por ser negro era triste?

terça-feira, 18 de março de 2025

PARTIDO ALTO

te vi escapar lentamente 
entre as educadas desculpas
tive um engasgo repentino
ao reconhecer em nós a imprevisão 
com a garganta seca
e a voz embargada consenti a despedida
despido de esperança 
sucumbi ao movimento cíclico do querer
tantos passos interrompidos pela chegada
tantas permanências interrompidas pelo partir
parte de nós foi saudades
outras tais singular desmerecer

no meu partido alto sambei 
comungando o chão 

domingo, 16 de março de 2025

RIO QUE NUNCA RI

o meu corpo inteiro conclama cansaço 
as emoções degladiam sobre a pele
que deflora o silêncio
sou por completo ausências
ou a habitual presença de na areia morrer

já nadei por tantos rios platônicos
que hoje seca chora minhas mãos 

sábado, 15 de março de 2025

COM FUSÕES

em meus olhos reside uma represa
em meu coração uma escola de samba 
desfilando em iceberg
em minhas mãos repousa um mar
em meus passos um labirinto
e em minhas palavras você

quinta-feira, 13 de março de 2025

PALADAR


Treino minha mente para distrações banais na tentativa idiota de esquecer teu nome. Graça doce que pronuncio no treinamento da fé. E eu odeio sobremesas.
As contrariedades que tua existência produz em mim desafiam os alicerces em que se estabelece minha autoproteção ingênua e tua perspicácia sorri pra mim. Eu gosto disso!
Vivo no paradoxal movimento de lembrar de te esquecer para não recordar a razão ímpar da saudade que amarga o peito. Tua presença agridoça meu dia. Me liquefaz como uma vitamina de leite e abacate com biscoito maisena. Eu gosto disso!
Gosto de imaginar o sabor de tua boca ao encontro de todas as bocas que em meu corpo clamam por ti. Nosso olhar silencia a multidão, nossos compassos silencia a reserva, nossas mãos aquietam a vontade, nosso hálito amenizam as fugas. Minha boca se encharca de ti. E eu gozo disso.
Entre tantas outras coisas, eu quero lamber o teu cérebro.

QUARTO GRANDE


Voltas complexas os ponteiros desenhavam no relógio enquanto na mente os pensamentos se tocavam em sinapses descompassadas. Um quarto faltava ainda para as onze e um edredom azul marinho pespontado por linhas que se inspiravam no mar se esticava na janela no canto esquerdo do quarto no intento de reproduzir a noite. A escuridão no miocárdio reluzia a paz que não há.
No lado de fora da casa, operários de construção destrinchavam a calçada recém inaugurada para a criação de sulcos por onde pudesse escorrer as águas da chuva que estava por vir. O ronco fúnebre do ventilador silenciava a violência que se expandia no concreto cinza, mas em sua cabeça o abstrato tomava forma se alimentando das frustrações cotidianas.
Havia um desespero descoberto em seu olhar.
Nas paredes que se projetavam insinuantes da sala se revelavam as inquietações das tímidas inquilinas pinceladas em algodão cru encoberto por tinta acrílica branca. Tentativas frustradas de negar sua sonoridade.
Havia um choro reprimido em suas gargalhadas.
No lençol limpo e perfumado que descansava em seu leito o que repousava era medo, esgotamento e desejos. Era audível o ruído dos sonhos perdidos no cansaço de esperar.
No quarto grande da casa duzentos e quatro o que residia era o amargo de findo estar.
Quem é herói todos os dias?

quarta-feira, 12 de março de 2025

CICATRIZES

fiz as pazes com as dores
acariciei as cicatrizes 
em minha mente pus flores
cultuando as mortes 
que me fazem vida
sem desperdiçar os odores
exalados das feridas 
fantasiadas de amores


sexta-feira, 7 de março de 2025

QUASE

ontem quase te liguei
por pouco sucumbi ao ímpeto 
de por uma mensagem despretensiosa 
revelar a intenção de saber de você 
bisbilhotar teu silêncio 
aquecer os segundos frios
de tuas respostas não-enviadas
e quem sabe colorir
um riso tenro no teu rosto 

ontem por bem pouco
não morri de saudade
e revelei os espasmos
que velo secretamente na solidão 
de aguardar teu retorno

ontem em minhas vagas ilusões 
conversei com teus abraços
e versei nos olhares discretos uma poesia
por bem pouco não cantei 
na pronúncia de teu nome um blues
enquanto dançava sozinho uma coreografia 
criada para um pas de deux 

hoje eu morri muitas vezes
no todo dia em que me lembro você 

Conta-gotas


partiu em partes regulares a despedida
despistou o olhar
desvirginou a saída
trouxe no verão um inverno em mim 
e em meus olhos inaugurou março 
que lava no peito o renovo do fim
enquanto em seu leito
corre lento o rio ao rir

na ruptura do silêncio 
que se cala o reencontrar