Voltas complexas os ponteiros desenhavam no relógio enquanto na mente os pensamentos se tocavam em sinapses descompassadas. Um quarto faltava ainda para as onze e um edredom azul marinho pespontado por linhas que se inspiravam no mar se esticava na janela no canto esquerdo do quarto no intento de reproduzir a noite. A escuridão no miocárdio reluzia a paz que não há.
No lado de fora da casa, operários de construção destrinchavam a calçada recém inaugurada para a criação de sulcos por onde pudesse escorrer as águas da chuva que estava por vir. O ronco fúnebre do ventilador silenciava a violência que se expandia no concreto cinza, mas em sua cabeça o abstrato tomava forma se alimentando das frustrações cotidianas.
Havia um desespero descoberto em seu olhar.
Nas paredes que se projetavam insinuantes da sala se revelavam as inquietações das tímidas inquilinas pinceladas em algodão cru encoberto por tinta acrílica branca. Tentativas frustradas de negar sua sonoridade.
Havia um choro reprimido em suas gargalhadas.
No lençol limpo e perfumado que descansava em seu leito o que repousava era medo, esgotamento e desejos. Era audível o ruído dos sonhos perdidos no cansaço de esperar.
No quarto grande da casa duzentos e quatro o que residia era o amargo de findo estar.
Quem é herói todos os dias?
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